Quase todo ritual wiccaniano tem em sua estrutura o Grande Rito (e para Dedicadas/os, a Libação), que é o momento mais solene do ritual. O que este momento representa? Pra uma bruxa/o, o sexo, o prazer e toda energia sexual é sagrada. Para Tuítan e Daniels, “as palavras “assim como a taça é o feminino e o Athame é o masculino, juntos eles são uma coisa só”, seguidas do mergulho do Athame no Cálice para consagrar o vinho [ou outro líquido], simbolizam o ato de amor e procriação – sexo. O Grande Rito é simbólico, e ilustra bem que a Wicca é uma religião de fertilidade. Fertilidade tem múltiplos sentidos, mas a procriação propriamente dita também está incluída nela” (Wicca Essencial, p. 317).
Tanto o Grande Rito quanto a Libação são feitas com o líquido que está dentro do Cálice. O líquido está lá, parado, desde o início do ritual. Para quê? Sua função é ser um receptor passivo de energia. Tudo que está excedendo energeticamente no seu ritual é absorvido pelo cálice e armazenado no líquido dentro dele – o cálice é do elemento água e sua energia é receptiva, lembram-se? Se houver iniciadas/os, é celebrado o Grande Rito
Grande Rito
O Grande Rito (GR) é o momento ritualístico mais sagrado da liturgia wiccana. Ele remonta as fontes católicas modernas (por volta de 1500-1780 EC) produzidas durante a inquisição e caça às bruxas na Europa. Nos textos católicos dos inquisidores, um dos mais famosos, o Malleus Malleficarum[1] era um manual contento técnicas e histórias vinculadas as bruxas e suas supostas práticas; nele, o GR aparece diversas vezes como um ato majoritário da prática de um gruo de bruxas que as levaria a manter relações sexuais com o Diabo, abrir portais infernais para hordas do Mestre Negro virem ao mundo entre outras suposições. Quanto Gerald Gardner elabora a estrutura liturgica da Wicca, o Grande Rito está para a religião como um dos pontos altos de poder, sendo apresentada sua simbologia apenas aos iniciados de 3º grau, onde Sacerdotisa e Sacerdote se uniam num ato sexual para canalizar as energias da Deusa e do Deus num momento de poder. Na Bruxaria Moderna, inicialmente elaborada pelos bruxos migrantes que se estabeleceram no Estados Unidos, o Grande Rito passou a ser representado simbolicamente, abolindo as práticas sexuais na maioria dos grupos, e sendo realizado para canalizar as energias do masculino e feminino em sua união, no líquido que estivesse presente no Cálice (Vagina), este último é realizado pela inserção do Athame (Falo) no Cálice (Vagina).
Em toda celebração religiosa da Wicca Moderna, o GR é o momento mais solene do rito, onde as pessoas se posicionam em círculo, de pé, e a sacerdotisa e o sacerdote ficam de frente ao altar ou no centro do círculo para canalizar as energias da Deusa e do Deus no momento da inserção do athame no cálice ou mesmo na consumação do ato sexual. Em ambas as formas, apenas os iniciados realizam esta etapa liturgica de um rito wiccano; as pessoas dedicadas, e/ou que se encontram em processo de treinamento para a iniciação, realizam uma libação em honra à Deusa e ao Deus.
Libação
Se não há iniciadas/os, não se performa o Grande Rito. Entretanto, o líquido está lá, cheio de energia absorvida do ritual. Então, é para os Deuses que esta é oferecida, através de uma libação, que é o ato de verter líquidos em honra às divindades, ancestrais e seres mágicos. Vindo do latim Libatio e do grego spondê, o ato é tão antigo quanto às primeiras culturas humanas. Temos essa prática difundida nas religiões monoteístas, politeístas e modernas, mesmo nos dias atuais, configurando um sistema de comunicação e relação com o sagrado extremamente eficiente. Os gregos tinham em alta estima o ato de libação; durante algum juramento ou palavra de honra, era comuns aos gregos ofertar uma libação no chão, sob uma árvore, pedras, rios ou no mar, transmitindo assim a ideia de que aquilo que foi vertido é irreversível, assim como seria irreversível seu juramento, palavra e honra. É observada também no judaísmo e em diversas outras culturas e religiosidades atuais, como o reconstrucionismo helênico, que faz uma bonita interpretação da Libação. Para eles, ao fazer uma libação, o praticante se abstém de algo (o líquido), em favor dos Deuses, ao qual dedica sua libação. Uma libação é normalmente seguida ou precedida por uma prece, uma introdução, uma canção, ou palavras de seu coração. Um exemplo do que pode ser dito durante uma libação realizada por um/a dedicada/o é:
“Pelos poderes da Água, da Terra, do Fogo e do Ar
A união da Deusa ao Deus eu venho honrar e celebrar
E como forma de agradecer e reverenciar
Oferto esta libação à Senhora e ao Senhor, nesta hora, neste lugar
[despeje a libação na terra, ou no seu caldeirão]
Que assim seja.”
Atualmente na Bruxaria usamos de forma geral o vinho/suco de uva devido a sua simbologia de representar o sangue, como também a água da fonte (água mineral), numa clara alusão ao “sangue da terra”, a água que surge de fontes naturais; mas são dezenas de líquidos que podem ser utilizados numa libação: mel, azeite, água, vinho, sucos de frutas, perfumes, leite, etc. Uma das formas de se honrar os Deuses da terra (ctonicos) e os ancestrais (mortos poderosos) é cavar um buraco em algum local da natureza, de preferência em terreno de sua própria casa ou próximo a ela, e fazer libações nessa abertura. Quando se deseja honrar os espíritos de um local ou mesmo as fadas e outros espíritos da natureza, comumente vertemos esses líquidos sobre as raízes de uma árvore; quando desejamos selar um juramento, vertemos a libação sobre uma pedra ou no chão; quando desejamos honrar os espíritos de rios, lagos e mares ofertamos diretamente na água desses locais. IMPORTANTE: Nunca oferte libações de azeite e outros tipos de óleos em cursos d’água, além de ofender os espíritos da natureza que ali residem, você estará poluindo o local.
Porque dedicados não podem fazer o Grande Rito?
Antes de mais nada, precisamos dizer que na nossa Tradição, Dedicadas/os não fazem o Grande Rito. A prática pessoal de cada um e de outros grupamentos bruxos, não é de nossa alçada e cremos na liberdade individual, de modo que, não estando vinculado a um grupo específico, você é livre para proceder como quiser. Com relação às nossas crenças na TCS, diz nossa sacerdotisa Aerin Nerissa:
“Muitos dedicados vêem o Grande Rito e desejam realizá-lo. Mas, tem de esperar ser um iniciado para realizá-lo. Porque isso?
Dedicados estão em uma jornada de busca pela Deusa. É um momento de descobertas não só do caminho, mas por si mesmos.
Aqueles que se encontram em um caminho, estão focados no caminho.
Para os que se iniciaram, há outros caminhos para percorrer, porém o que muitos dedicados vão alcançar, isso já foi vivenciado.
Iniciados são os que chegaram no final de um caminho e se viram prestes a lidar com uma encruzilhada. Devo seguir o caminho? Devo seguir mesmo?
E por salto de fé, o iniciado escolhe enfrentar e viver os mistérios. Ele se torna os mistérios. E, um dos mistérios é o Grande Rito. Ele se torna o Grande Rito. Ele vive em sua essência.
Por isso e outros motivos, que dedicados precisam seguir pelo caminho e esperar a sua iniciação para realizar o Grande Rito.
O Grande Rito é ser um iniciado. É comungar com a Deusa e o Deus eternamente dentro de si”
Para um maior esclarecimento, diz nosso Sumo Sacerdote Dimitrae Keetan: “da mesma forma que em outras religiões, onde apenas a sacerdotes ordenados cabem algumas tarefas, assim é o Grande Rito, nosso maior momento solene, por isso, eles são reservados para aqueles que são ordenados na religião Wicca (Iniciados, portanto). Um sacerdote abre seus canais energéticos para receber a Deusa e o Deus (cada qual segundo seu gênero); eles se tornam um canal vivo e uma fonte viva dos Deuses na Terra, do modo mais amplo, porque os Deuses estão em todos os lugares, mas a egrégora dos Deuses, a grande energia da Deusa e do Deus, como vista na Wicca, passam por canais e os iniciados são canais para passar a energia e por isso eles estão aptos para performar a união dos Deuses”.
Iniciadas/os viveram o mistério da Iniciação, fizeram o juramento de honrar e servir aos Deuses para a vida. Dedicadas/os ainda estão percorrendo o caminho e escolhendo se querem tomar esta decisão, ou não. Por isso, em honra aos Deuses pela ajuda em seu caminho, libam.
[1] KRAMER, Henrich e SPRENDER, James. Malleus Malleficarum. O Martelo das Feiticeiras. 1992. 3a edição. Companhia das Letras: Rio de Janeiro