Uma das bases da Tradição Caminhos das Sombras é o Caminho do Meio: caminhamos entre a Luz e a Escuridão, em todos os tons de cinza nesse espectro. As sombras simbolizam adaptação, crescimento e evolução, pois mudam conforme a fonte de luz.
Por isso, a TCS é profundamente flexível: não há rigidez nas práticas e cada iniciado pode trilhar seu próprio caminho. Essa flexibilidade enriquece a tradição, porque cada iniciado traz algo novo, contribuindo para o crescimento mágico e espiritual coletivo. Há uma raiz comum na espiritualidade pagã europeia, que orienta a forma como vemos o sagrado e a magia. A prática é pragmática: se algo funciona bem, continua; se não funciona ou causa problemas, é revisto e recriado.
Ser flexível, entretanto, não significa que tudo pode ser mudado — nem que deveria ser. Toda tradição de Bruxaria é criada com bases e princípios muito específicos, que sustentam os ritos e as estruturas que mantêm a Tradição viva.
Na TCS, um desses princípios é o da Polaridade energética.
A Lei Hermética da Polaridade estabelece que “tudo é duplo”, existindo sempre dois pólos opostos para tudo, como calor e frio, feminino e masculino, positivo e negativo — extremos da mesma essência, assim como os pólos magnéticos da Terra. Magia de polaridades refere-se a gerar poder aumentando a ressonância dentro da dissonância entre pólos opostos.
A Polaridade na TCS
Nesse sentido, na TCS, compreendemos a Deusa como o grande princípio criador, o princípio feminino, Yin, o Caos Primordial, de onde tudo surgiu. A Deusa criou o Deus: sua contraparte masculina, Yang, a Ordem Primordial. No caso do mito da criação, entendemos que é a dissonância entre a Deusa e o Deus, distintos por serem o mais extremo entre os pólos de gênero, que, quando vibrados em direção à harmonia, no centro, gera poder suficiente para fazer nascer tudo que existe.
A partir deste princípio estrutural da nossa tradição, Sacerdotisas na TCS têm o direito, a honra e a exclusividade de canalizar a Deusa, e Sacerdotes possuem o direito, a honra e a exclusividade de canalizar o Deus em rituais da Tradição. Uma pessoa, seja ela cis ou trans, exercerá essa função na polaridade da Deusa ou do Deus conforme sua identificação pessoal. Independente de sua orientação sexual ou gênero, não há possibilidade de uma pessoa transitar entre essas polaridades. Esta é uma regra da TCS que não pode ser quebrada — e esse é um ponto de questionamento recorrente por nosso público, e até mesmo por nossos membros. Esta regra é baseada em princípios energéticos específicos para garantir a segurança mágica e integridade energética dos nossos membros.
A Naelyan falou sobre isso nessa live de 2020:
Quando falamos em masculino e feminino, pensamos de forma antropocêntrica, mas a Magia não se refere a seres humanos, e sim a energias estruturantes do universo. A energia nunca é “não polar”: mesmo no taoísmo, o Tao se manifesta em yin e yang, cada um contendo uma parte do outro. Já identidade de gênero não é uma concepção energética nem mágica, e sim social. Portanto, é possível que os aspectos mágicos, que se referem a energias universais, e os aspectos sociais, ligados à identidade de gênero, coexistam sem conflitos.
Aspectos Mágicos da Polaridade Energética
Em primeiro lugar, a polaridade energética de uma pessoa é diretamente ligada aos aspectos físicos e hormonais. Energeticamente, são os hormônios que alinham o indivíduo a uma determinada polaridade ou fluxo energético. Quando o corpo físico se alinha fisiologicamente com um gênero biológico específico — mesmo em pessoas não-binárias — a Magia, a energia e os seres não físicos passam a entender a pessoa como macho ou fêmea.
Em segundo lugar, alinhar um sacerdote ou uma sacerdotisa com a energia do Deus ou da Deusa é uma questão de integridade energética. A tentativa de alterar constantemente o alinhamento com uma energia polar específica (Deusa ou Deus) pode levar a uma limitação ou até mesmo a prejuízo espiritual e psicológico, tirando o poder de escolha do indivíduo.
Em terceiro lugar, toda alteração no corpo provoca alterações energéticas no indivíduo. Em menor grau, a própria alimentação, jejum ou abstinência promovem alterações energéticas. Uma cirurgia, uma gravidez ou outros processos maiores que afetam o corpo de uma pessoa exigem um período de recuperação e reestruturação física e energética, sendo importantíssimo ter cuidados com a proteção e o reequilíbrio energético durante a transição.
Compreendemos também o princípio da androginia sagrada e reconhecemos que magistas são capazes de acessar a polaridade complementar dentro de si. Porém, conforme entendemos até o momento, a profundidade desse acesso jamais se compara à polaridade inerente do indivíduo (aquela ligada à sua fisiologia).
Compreendemos que os aspectos mágicos da polaridade em nada afetam a identidade social de uma pessoa. Na TCS, abraçamos toda a diversidade de gênero e orientação sexual dos membros de nossa Tradição. Sua sexualidade é livre para ser vivida com liberdade e respeito.
Aqueles que se sentem confortáveis em trabalhar com essa estrutura serão muito bem-vindos, mas sabemos que nenhum caminho serve para todos — e tudo bem. Existem outros caminhos de Bruxaria e outras tradições na Wicca que podem ser mais compatíveis com aqueles que não concordarem com isso. Nós compreendemos e respeitamos.
Nosso papel é mostrar caminhos já experimentados, indicar o que deu certo ou não, mas sem impor um modelo único. Cada pessoa encontra sua própria maneira de viver o sagrado. Para além disso, cada pessoa que entra na TCS traz sua visão de mundo e sua voz, trazendo também sua própria forma de viver o Sagrado e enriquecendo nosso conhecimento e entendimento das nuances sociais que invariavelmente afetam nossa prática mágica — e assim, enriquecendo a prática mágica de toda a Tradição.
“Imagine a deusa como uma velhinha em uma casa na floresta, organizando instrumentos em seu altar. Às vezes, ela reúne vários para trabalhar juntos; em outros momentos, desloca um para outro lugar, como em cima de um armário com livros. Assim somos nós na TCS: instrumentos diversos, vindos de origens e crenças variadas, mas todos afiados para servir ao divino.”
(Agathos Athenodoros)
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