Duas Bruxas – Um Conto de Fadas Moderno

Era uma vez duas Bruxas. Uma era uma Bruxa Feminista e a outra uma Tradicionalista. E, apesar de ambas serem profundamente religiosas, elas tinham idéias bem diferentes sobre o que a religião significava para cada uma. A Bruxa feminista acreditava que a Bruxaria era uma religião que se adaptava especialmente às mulheres porque a imagem da Deusa era uma arma poderosa e forte contra a tirania patriarcal. E havia uma desconfiança no coração da Bruxa feminista em relação à Bruxa tradicionalista pois, a partir da perspectiva feminista, a Bruxa tradicionalista parecia subversiva e uma ameaça à Causa.

A Bruxa tradicionalista acreditava que a Bruxaria era uma religião de homens e mulheres e que não devia haver divisão. E mesmo a Deusa sendo louvada, deveria se tomar cuidado de incluir a força do Deus em igualdade de condições. E havia uma desconfiança no coração da Bruxa tradicionalista em relação à Bruxa feminista pois, a partir da perspectiva tradicionalista, a Bruxa feminista parecia uma ameaça à Tradição.

Ambas as bruxas viviam na mesma comunidade, mas pertenciam a covens diferentes, de modo que elas não se encontravam com frequência. Estranhamente, entretanto, nas poucas vezes em que se encontraram, elas sentiram uma forte atração uma pela outra. Mas ambas reconheciam que esta atração era uma tolice uma vez que suas ideologias estavam a mundos de distância, e nada, ao que parecia, poderia um dia criar uma ponte entre elas.

Então, um dia, a comunidade decidiu unir todos os covens num grande ritual conjunto. Depois dos rituais, da Magia, das danças, dos festejos, todos se recolheram para suas barracas e sacos de dormir. Todos menos aquelas duas, pois elas estavam preocupadas com suas diferenças e não conseguiam dormir. Elas permaneceram sentadas perto da fogueira enquanto todo mundo dormia. E depois de algum tempo, elas começaram a conversar sobre as diferentes formas pelas quais viam a Deusa. E como ambas eram Bruxas relativamente inexperientes, elas logo começaram a discutir sobre qual seria a “verdadeira” imagem da Deusa.

“Descreva para mim a sua imagem da Deusa”, desafiou a Bruxa feminista.

A Bruxa tradicionalista sorriu e disse numa voz enlevada,

“Ela é a personificação de todo o amor. A plenitude da beleza feminina. Eu a vejo com cabelos louro-prateados como a luz da Lua, sedosos e fartos, caindo ao redor de seus ombros. Ela tem o corpo jovem de uma donzela e suas vestes são as mais sedutoras, balançando suavemente ao redor do corpo dela.

Eu a vejo dançando à luz da Lua como uma ninfa. E ela chama seu amado, o Deus Cornudo, em uma voz que é suave, doce e gentil, tão musical quanto um sino de prata. Ela é Afrodite a deusa do amor sensual. E seu amado vem em resposta ao chamado dela pois ela deve se tornar a Grande Mãe. É assim que eu a vejo.”

A Bruxa feminista riu e disse,

“Sua Deusa é uma Barbie cósmica! O arquétipo Jungiano de uma líder de torcida! Ela é toda brilho e nenhuma substância. Onde está o poder dela? Sua força?

Eu vejo a Deusa de uma forma bem diferente. Para mim, ela é a personificação de toda a força, coragem e sabedoria. Um símbolo vivo do poder coletivo de todas as mulheres do mundo.

Eu a vejo com o cabelo tão negro quanto a noite, mantido curto para ser fácil de cuidar no campo de batalha. Ela tem o corpo musculoso de uma mulher no pico de sua saúde e forma física. E suas vestes são práticas e simples, nada de um vestido de festa. Ela não pinta seu rosto, ou perfuma seus cabelos, ou depila suas pernas para satisfazer a vaidade masculina.

Ela não realiza danças pornográficas para atrair um homem, quando ela chama um companheiro, sua voz é forte e confiante. Ela é Artemis, a caçadora, e é fatal para qualquer homem lançar olhares em sua direção. Pois, apesar dela ser a Mãe de muitos seios ela é também a Anciã da sabedoria, que destroi a velha ordem. É assim que eu vejo a Deusa.”

Agora foi a vez da Bruxa tradicionalista rir e dizer,

“Sua Deusa é a antítese do feminino! Ela é Yahweh escondido atrás de uma máscara feminina! Não se esqueça de que foram os seguidores dele que queimaram Bruxas pelo “pecado” de pintar os rostos. Afinal, foram as Bruxas com seu conhecimento de ervas que descobriram a arte dos cosméticos. Onde está a beleza dela? E o amor e o desejo?”

E assim a discussão prosseguiu, até que o som das vozes alteradas despertou uma anciã de um dos covens que estava dormindo por perto. A Anciã olhou de uma para a outra por alguns instantes sem dizer nada. Então ela sugeriu que ambas fossem separadas para a floresta e lá, através da meditação e da magia, procurassem ter uma visão “verdadeira” da Deusa. E lá se foram elas.

Depois de alguns momentos de invocações, houve um instante de profunda quietude. E então, um feixe de luz brilhante pôde ser visto em meio ao verde escuro da floresta e ambas as bruxas correram na direção dessa luz.

Para seu espanto e admiração, elas descobriram que a Deusa tinha aparecido em uma clareira bem entre as duas, de modo que nenhuma podia ver a outra. E a Bruxa tradicionalista gritou “Veja, é como eu te disse”. E a Bruxa feminista gritou “É como eu te falei!”. E nenhuma delas ouviu a outra.

Para a bruxa feminista a Deusa parecia a matriz de toda a força e poder, com sua coragem e energia fluindo ao seu redor. A Deusa parecia erguer seus braços para receber a Bruxa feminista como se recebe um camarada de armas.

Para a bruxa tradicionalista ela parecia ser o zênite da beleza feminina, cantando a canção de sedução de uma sereia. Energia parecia fluir ao redor dela. E ela ergueu seus braços para a bruxa tradicionalista como um convite.

Dos lados opostos da clareira, as Bruxas correram na direção da figura da Deusa que ambas amavam tanto, desejando sentir o êxtase do abraço divino. Mas pouco antes delas a alcançarem, a aparição desapareceu. E as duas Bruxas se assustaram ao se encontrarem abraçadas uma a outra.

E então ambas ouviram a voz da Deusa. E, por incrível que pareça, essa voz teve exatamente o mesmo som para ambas. O som de uma risada.

Autor desconhecido.

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Naelyan Wyvern é a fundadora e Alta Sacerdotisa da Tradição Caminhos das Sombras.

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