Todas as religiões possuem seu local de celebração. Das igrejas cristãs às sinagogas judaicas ou os mosteiros budistas, todos são locais de celebração, oração e contato com o divino. Em nossa religião, convencionou-se dizer que o local por excelência deste contato é a Natureza, mas o que a nossa experiência prática demonstra não ser exatamente verdade: o momento e o local de celebração de um bruxo é o que demanda o dever para com os Deuses, a necessidade e a oportunidade. Em termos práticos e para muitos wiccanos, isso significa celebrar solitariamente em seu quarto, tomando cuidado para não despertar o resto da casa durante uma bela noite de lua cheia.
Entretanto, por mais diversas que sejam as formas de contato com o divino nas diversas tradições da Wicca, nossa religião possui uma liturgia especifica e instrumentos de altar também específicos cuja função é despertar a consciência do bruxo para o ato mágico.
Um iniciante atento perceberá que cada instrumento do altar está diretamente relacionado a cada direção e a cada elemento. Um típico altar na Wicca consiste numa simples mesa forrada adequadamente, onde são postos os instrumentos de trabalho da(o) bruxa(o). Com estes instrumentos devidamente consagrados, o bruxo cria um espaço sagrado como um ato de magia, adequando o local que ele se encontra para a sua prática ritualística.
Como foi explicado acima sobre Círculos Mágicos, uma das funções do Circulo é justamente criar este espaço. De fato, entendemos que o bruxo ou bruxa que traça o círculo é senhor(a) e responsável pelo que acontece sob sua tutela durante a prática do ritual. Ao tornar um espaço mundano local de celebração de nossos Deuses, a(o) bruxa(o) fica num estado que chamamos de “Entre os mundos e através dos tempos” ou “Entre-mundos” simplesmente. Mircea Eliade, em sua obra “o Xamanismo e as técnicas Arcaicas de Êxtase” explica que entre as formas xamânicas e indo-européias de contato com o divino consistiam em subir a lugares altos ou descer em cavernas. Isso é o que os especialistas chamam de Anabasis (acensão) e Katabasis (descida), sempre significando uma viagem ao outro mundo.
Esta noção primitiva que sobrevive em todas as religiões em formas mais ou menos complexas aparece na Wicca através da consagração do Espaço Sagrado. Muitos sistemas xamânicos pregam a existência de três níveis para o outro mundo: o mundo de cima; o mundo do meio e o mundo de baixo e o mesmo vale para a nossa Tradição.
Quando um bruxo(a) inicia sua ritualística, através de um ato de magia, ele ou ela se coloca num estado no qual o tempo e o espaço mundanos já não existem mais. Ele ou ela cria um local sagrado e passa para o Tempo Sagrado, para usar uma terminologia também de Mircea Eliade. O Tempo e Espaço sagrados são, portanto, uma recriação do próprio ciclo da Natureza, e símbolo para a criação do mundo. Ou seja, para fazer magia e comungar com o divino, o bruxo(a) cria um mundo novo onde suas regras e suas leis são supremas. Neste tempo e lugar, ele é como os Deuses e também um com os Deuses.
Todavia, nossa mente inconsciente – aquilo que realiza de fato cada ato mágico que parte do operador – não trabalha com abstrações. Ela precisa de símbolos e sensações que representem certas abstrações para atuar no mundo. Daí entram os instrumentos.
O que eu chamo de “despertar a consciência para o ato mágico” implica em reconhecer um principio básico em magia: a mente consciente não sabe o que é magia, realidade incontestável da mente inconsciente. Para isso é necessário que o noviço entenda que quando ele realiza um ato mágico, ele precisa oferecer para consciência símbolos que reflitam para ele essa realidade interior. A fonte ou origem destes símbolos não importa muito em termos teóricos, mas definem a filiação do magista. E a Wicca remete suas origens a diversas fontes, mas particularmente aos sistemas de magia europeus do final do século XIX. É por causa disso que a estrutura litúrgica das muitas tradições de Wicca assemelha-se à de outras ordens de Magia ou até mesmo à Maçonaria. É sabido que Gardner foi membro da Golden Dawn, Teosofista, Rosa-Cruz e Maçom.
De qualquer modo, como se opera a liturgia na Wicca é assunto para a próxima lição. No momento basta saber que neste tópico iremos tratar do significado do Espaço sagrado na Wicca, chamado por nós de Círculo Mágico e também dos outros instrumentos típicos da Wicca.
O Athame e o elemento Ar
Inspire. Expire. Inspire. Expire. Isso que entrou e saiu do seus pulmões é Ar. Você está cercado por ele, é através dele que o som de sua voz se propaga, é o Ar que permite que a luz que chega aos seus olhos te permita identificar, catalogar e classificar o mundo ao seu redor. Para nós Wiccanianos, o Ar é o elemento da Razão, do Intelecto, da Criatividade, do Equilíbrio. Está associado aos signos de Libra, Aquário e Gêmeos na Astrologia e ao naipe de Espadas no Tarot. No I-Ching está associado as linhas Yang mutáveis e para o neo-platonismo e para o hermetismo medieval ele é Quente e Úmido. Sua direção é o Leste.
O Ar permite acessar os poderes e forças que falam da razão, da inteligência, e todas as capacidades intelectuais e objetivas. Nada mais apropriado associar o Ar com uma lâmina. Isso é o que o Athame e as Espadas representam: como objeto, eles simbolizam o elemento Ar. Assim, fica fácil entender que se você empunhar sua lâmina e golpear o ar, o ar “responde” com um silvo, um assovio. A lâmina, qualquer que seja, é um instrumento de polaridade positiva e pode ser associado ao I-Ching com as linhas Yang Mutáveis, tal como eu disse acima.
Além desse simbolismo, o Athame é usado para direcionar a energia. Originalmente, sua função era exclusivamente de proteção: Magos Cerimoniais usavam – e usam – lâminas diversas, como os nossos Athames e Espadas, para se proteger e atacar astralmente seres destes e de outros planos e imagino que essa função tenha sido incorporada inicialmente pela Wicca. Mais tarde, desconheço por qual meio ou caminho, o Athame passou a ser usado para direcionar o poder: do mesmo modo que uma bruxa pode apontar o dedo para traçar um circulo ou rogar uma maldição, por exemplo, o Athame pode e costuma ser usado para canalizar o poder que vem da bruxa.
O Athame é também um símbolo de autoridade: em muitos caminhos de Magia Cerimonial, o adepto somente recebe sua lâmina após um determinado grau e isso não é diferente em muitas tradições de Wicca. Aqui na TCS, um dedicado não tem permissão de empunhar seu Athame em público antes de ser iniciado, mas tem permissão de possuir um.
Por fim, o Athame é conhecido por ser a Alma de um Bruxo. Nunca permitam que uma pessoa estranha empunhe sua arma, ou seja desrespeitoso com ela. Por “desrespeitoso” quero dizer que nunca permita que alguém toque a lâmina de seu Athame, suje ela ou que seu Athame toque o sangue de qualquer criatura viva. Aquilo que toca a lâmina de sua arma toca sua alma. Aliás, uma dica: seja cuidadoso com suas lâminas pois elas tendem a oxidar quando são mal cuidadas. Sempre procure polir e use óleo mineral para evitar que enferrujem.
O Bastão e o elemento Fogo
Lembre-se por um instante do calor do corpo de alguém que você deseja muito. Lembre-se da paixão suscitada pela presença dessa pessoa. Lembre-se do calor do Sol da manhã no dia do Solstício de Verão, lembre-se da luz e do calor das velas que você acendeu para cada divindade que você amou. Isso é o Fogo. Para nossa religião, o Fogo representa a Fé, o Desejo, a Sexualidade em todos os seus âmbitos, o brilho da alma forjada pelos Deuses no princípio dos tempos, a autoridade dos Reis e dos Sacerdotes. Os Egípcios acreditavam que as pessoas eram moldadas por Khnun, o deus-carneiro dos oleiros. Ele pegava aquele pequeno pedaço de luz que viria a ser um humano e a partir do barro formava um novo corpo. E colocava num forno, sugerindo o papel do Fogo como elementos da Criação. Para os Estóicos, o Fogo é Arké, o principio originário de todas as coisas. Para a astrologia o Fogo se associa aos signos de Áries, Leão e Sagitário e, para o Tarot, ao naipe de Paus ou Bastões. O Bastão é um instrumento de polaridade Positiva tal como o Athame e pode ser associado no I-Ching as linhas Yang fixas. Para o neo-platonismo ele é Quente e Seco. Sua direção é o Sul.
Se o Fogo é o principio da autoridade, nada melhor do que um fascio, um feixe de madeira para representar essa autoridade, tal como faziam os Romanos. O Bastão também, vale lembrar, é um Phallus, um objeto fálico, o que reforça o tema da autoridade. O Bastão de madeira evoluirá para o cajado e para a bengala, mas o principio será o mesmo: um objeto normalmente de madeira que traduz a autoridade daquele que o porta, tal como o Athame. Assim como o Athame, os Bastões podem ser usados para direcionar a energia. Em termos práticos é mais fácil e mais barato possuir um Bastão do que um Athame. Ao contrário do Athame, usualmente o Bastão não é usado para atacar nos planos astrais, mas para comandar.
Muitos de vocês vão se perguntar: “se o Athame e o Bastão servem essencialmente para os mesmos objetivos, para que dois instrumentos para a mesma coisa?” Essa pergunta revela um engano comum a muitos neófitos, e eu mesmo tive dificuldades em perceber a diferença durante alguns anos. De fato, ambos os instrumentos servem para funções semelhantes, mas originalmente o Athame não era usado para direcionar a energia, mas para defesa mágica. Além disso, pela facilidade que há em se construir um Bastão, você pode ter muitos deles consagrados para funções distintas. Pessoalmente não tenho o hábito de usar muitos bastões, mas isso é uma idiossincrasia da minha prática pessoal. Mesmo que eu usasse poucos Bastões, houve uma época onde eu possuía uns 15 ou 16 deles, cada um consagrado para funções distintas. Hoje eles são “apenas” 4, um Bastão Fálico, que criei a partir de um Mistério Masculino (e foi o meu principal Bastão por anos a fio), um Bastão astrológico inspirado num modelo Alexandrino (acho eu), um Bastão feito de um cipó, consagrado a Athena e um cajado de metal que comprei e que uso para magia dracônica.
Por fim, lembrem-se de que um Bastão é mais fácil de possuir que um Athame em função de seus respectivos valores. Descobri que galhos de eucalipto dão ótimos Bastões e cajados, pela forma e resistência do material, mas qualquer galho pode ser usado. Dê preferência a galhos caídos e em bom estado. Não se enganem se a casca estiver podre, pode ser que a madeira esteja em ótimo estado. Limpem a casca e decorem o Bastão de acordo com o objetivo. Se você não possui nenhum instrumento ainda, consagre este objeto para seu uso na magia.
O Cálice e o elemento Água
A Água é o elemento da vida, pois toda a vida veio do mar e a ele retornamos quando de nossa morte. Além disso, os seres vivos deste mundo são constituídos de porções significativas de Água. É através da Água que todos os elementos químicos circulam através do globo e através do sangue – basicamente aquoso – que os mesmos elementos químicos, essenciais ao seu desenvolvimento e manutenção, circulam através de você. A Água é fluida, toma a forma daquilo que a comporta. Por estar de cada ser vivo e ser tão adaptável ela está associada às emoções, ao Oculto, ao inconsciente e aos sonhos. Está associado aos signos de Câncer, Escorpião e Peixes na Astrologia e ao naipe de Copas no Tarot. No I-Ching está associado às linhas Yin mutáveis e para o neo-platonismo e para o hermetismo medieval ela é Fria e Úmida. Sua direção é o Oeste.
Dada a adaptabilidade da Água, e sua conformidade com o lugar onde está, nada mais natural para representá-la que um Cálice. O Cálice em si mesmo representa apenas a sua capacidade de comportar a Água, mas ele cheio é a força da vida, da fluidez e da magia. Por ser receptiva por excelência, a Água contida no Cálice é um excelente condensador para as energias trabalhadas em Circulo.
Junto com o Bastão ou o Athame, o Cálice é elemento essencial de uma parte da Liturgia conhecida como “Grande Rito”, que é uma representação do Casamento Sagrado ou “Hierogamos”. Assim, por exemplo, é uma boa ideia beber a Água do Cálice após uma ritual para prosperidade. Habitualmente, após o Grande Rito, bebe-se do conteúdo do Cálice – água, suco ou vinho – e em muitas tradições, isso é um direito dos iniciados que dela fazem parte, sendo vetado esse direito aos dedicados e pessoas comuns.
O Cálice também pode ser usado para a prática de técnicas de Scrying. Essencialmente, significa permitir a si mesmo ter visões enquanto fita algo como uma vela, incenso, ou o conteúdo de um Cálice. A ideia é deixar sua mente vagar enquanto se fita algo. Com o devido tempo, é possível fitar qualquer coisa e obter uma resposta.
Um bom Cálice é aquele que serve a você, assim como qualquer instrumento. Lembre-se que um Cálice não é necessariamente uma taça: um objeto que te sirva para colocar água será um bom Cálice. Conchas, copos, cumbucas, pedras côncavas, etc. podem ser usadas como tal. Apenas não se permita atrapalhar a energia de seu altar com opções esdrúxulas. Durante muitos anos usei taças de vidro por sua associação com o elemento: para quem não sabe, vidro é um composto liquido com altíssima viscosidade, o que o torna aparentemente sólido.
O Pentáculo e o elemento Terra
A Terra é o corpo da Deusa, as rochas são seus ossos e, portanto todo o mundo material é por analogia o corpo dela. Seguindo essa mesma analogia, seu corpo é o corpo da Deusa, e cada parte de seu corpo é do mesmo modo a própria Terra. A Terra pode ser percebida como o estado sólido da matéria (e por analogia, líquido para água, gasoso para o ar e plasma para o fogo). Entre nós, ela é estrutura, a base onde são feitas todas as coisas, e portanto está associada a saúde física e todas as coisas que competem a favor da manutenção da vida: exercícios físicos, alimentação, o trabalho que paga suas contas, a carreira. Por ser o mais permanente dos elementos, também está associada ao passado, a tradição, a constância e a permanência. Assim, a Terra representa a totalidade do mundo natural. No Tarot está associado ao naipe de Ouros e seu instrumento é o pentáculo, de polaridade negativa tal como o cálice e que pode ser inscrito num prato, remetendo a relação com os alimentos. Capricórnio, Touro e Virgem são os signos do Zodíaco associados à Terra. Com o I-Ching podemos associar a Terra com as linhas Yin fixas e para o neo-platonismo a Terra é Fria e Seca.
Para trabalhar com a Terra, faça atividades vigorosas: exercícios físicos, plantar sementes, meditar com árvores ou pedras, cozinhar ou curar. Toda magia associada a esse tipo de atividade é por principio magia de Terra. Além disso, o Pentáculo pode ser imaginado como o Escudo do cavaleiro. Uma das funções do Pentáculo é proteger o altar do bruxo (e o bruxo), aterrando ou agindo como escudo mágico contra energias prejudiciais, se ele for consagrado para este fim. O Pentáculo também é um condensador de energia: você pode colocar sobre ele algo que deseje imantar com energias. Faça isso colocando velas nas pontas da estrela, nas cores de cada elemento e recite o encanto de acordo com o objetivo. A ideia é que você traga para seu encanto a energia de cada um dos elementos e dê forma (Terra) a elas através do Pentáculo.
Geometria dos pentáculos: Pentáculos podem ser feitos num prato ou numa folha de papel. Seu desenho é relativamente simples: desenhe uma estrela de 5 pontas, onde a distância entre duas pontas concomitantes (A^B ou B^C ou C^D ou D^E ou A^D) é de 1 unidade (cm, metro, etc.) e a distância entre duas pontas não concomitantes (AC, BD, CE, AD ou BE) é de 1,618 unidades.
Deste modo você pode desenhar um pentagrama usando apenas uma régua, como segue abaixo:
1. Desenhe um segmento de reta de 10 centímetros, entre dois pontos A e B;
2. Marque um ponto partindo do ponto A em direção ao D, e desenhe um seguimento de reta de 16,18 centímetros. Faça o mesmo, partindo de B para D. Você terá um triângulo isóceles (ADB)
3. Repita o processo entre os pontos B C e E. Pronto, você tem seu pentagrama. Para o pentáculo, vc deve inscrever um circulo ligando os pontos (ABCDEA).
4. A Proporção Áurea (1/1,618) é a base do Pentáculo.
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