Imanência

Imanência é a ideia na qual aquilo que criou todas as coisas – que para nós é a Deusa – não está separado da criação. A Deusa vive em todas as coisas que existem, e vive através delas, e é todas elas. E do mesmo modo, todas as coisas existentes são a Deusa, não importando o que sejam: cada aspecto da natureza, cada objeto, cada ser vivo, cada situação, cada sentimento, cada pensamento, cada pessoa *É* a Deusa, não importa o que seja.

Quando um Leão devora sua presa, o medo que a presa sente é a Deusa, o Leão que come a carne é a Deusa, a caçada, a fuga e o abate são a Deusa, todo o sangue derramado é a Deusa.

Quando um casal se beija, cada um dos dois é a Deusa, o sentimento de um pelo outro e de cada um em particular também é a Deusa. O beijo é a Deusa, e o que decorre dele também.

Cada estrela brilhante no céu é a Deusa assim como a escuridão do espaço profundo. Cada verme e cada inseto vicioso são a Deusa, assim como qualquer coletivo de coisas, como uma espécie, uma doença ou a galáxia. O oxigênio em seu sangue é os impulsos elétricos no seu cérebro são a Deusa e até mesmo seus pensamentos inconfessáveis são a Deusa.

Quando alguém mata por crime ódio, isso é a Deusa (especialmente sombria, devo lembrar), assim como quem foi morto. Quem prendeu o criminoso também é a Deusa e se houve justiça no caso, o caso e o julgamento são a Deusa. Mas se não houve, isso tambem é a Deusa. Se o criminoso foi morto na cadeia, violado ou morto pela polícia, isso tbm é a Deusa, assim como cada criança abandonada, cada mulher acalentada, cada marido orgulhoso de sua esposa. E para cada bombeiro salvando um gato de uma árvore, a árvore, o bombeiro, o gato o salvamento, toda equipe e seus equipamentos, tudo isso é a Deusa.

Essa é uma ideia difícil de conceber pois dentro de nossa cultura todo sagrado é visto como tendo um caráter transcendente. É o santo que se faz promessa, é um Deus apartado da criação depois do 7º dia, é o servidor que vem trazer sexo para sua luxúria. E veja, não há nada de errado com isso quanto as questões práticas. A promessa pro santo pode realmente trazer um emprego necessário, crer no Deus dos cristãos é legítimo para os cristãos, usar um servidor para trepar é ok quando todos estão felizes e se divertiram no processo todo. E de fato, há uma miríade de seres com os quais entramos em contato cujo caráter desse é de fato transcendente.

O Todo é a Deusa. Para que se entenda essa ontologia, não há efemeridade na Deusa: tudo é, foi e sempre será, não importa em que dimensão de tempo ou espaço em qualquer possibilidade de existencia possível no universo, enfim, tudo isso é a Deusa. Ela é perene.

Logicamente, decorre que se algo é perene não julga a si mesmo por suas ações. Até por que a Natureza não age. Para agir é preciso decidir e a Deusa não decide, pois O Todo (quando quer que seja O Todo) já é, da perspectiva dela.

A Deusa não é boa. Nem má. Como você poderia ser bom ou mal com uma molécula de seu corpo? As moléculas de seu corpo são instrumentos da sua experiência no mundo e por sua vez, O Todo existe como instrumento da experiência da Deusa na existência.

Transcendência é outra coisa. Ela decorre da Imanência da Deusa. Não creio em uma transcendência absoluta, em que há algum ente completamente apartado da criação. Mas acredito numa transcendência relativa onde os seres de naturezas mais particulares percebem-se distintos uns dos outros. Essa distinção é apenas resultado da especialização resultante da criação. Você não é uma mesa, nem é um Dragão e as Estrelas possuem opiniões particulares sobre nós e nossa espécie.

E nessa transcendência relativa (e estou aberto a reformular o termo se alguém sugerir algo melhor) que ocorre o contato com outros seres da existencia, e os variados níveis de consciência por parte de cada coisa que existe leva a uma menor ou maior compreensão da condição de Imanência Divina. Essa compreensão não se dá intelectualmente, mas é uma experiência gnosiologica, onde aprendemos a relembrar constantemente de nossa condição divina até que não se perceba mais qualquer separação. Em função da imanência, nossa natureza é essencialmente divina, e entendemos que nossa busca espiritual é para relembrar essa condição.

Há diversos sinais importantes que são resultado do aprofundamento da gnose acerca da Imanência. Entretanto, nenhuma dessas características pode ser invocada pelo indivíduo, sob pena de violar os princípios 3, 4 e 5, logo abaixo.

Sentido de pertencimento ao Todo. Não há separação. Toda separação é ilusão, gerada pela especialização dos seres, entes e “partes” do Todo. Compreenda e que isso é um sentido, uma percepção e um entendimento, mas não é um sentimento. É como saber que há dedos e em suas mãos, dentes em sua boca e olhos em sua cabeça: ninguém pensa nestes fatos naturais o tempo todo, mas pressupõe-se sua existência. O mesmo se dá com este sentido de pertencimento ao Todo.

Compreensão das relações de causa e consequência: quanto mais profunda é nossa compreensão da Imanência, maior é nossa percepção das relações de causa e consequência entre cada um de nós e o Todo.

Supremacia da ética e busca pela excelência da práxis: a percepção do Todo e a compreensão das leis de causa e consequência leva progressivamente a ortopraxia ética (i.e. – a ação correta no plano ético). Se alguém entende como as consequecias de suas ações estão correlacionadas as causas, então perceberá que apenas ações que levem ao desenvolvimento do todo são aceitáveis. Assim, progressivamente, toda ação tende ao benefício de toda existência, mesmo que num primeiro momento ação pareça danosa.

Amoralidade: essa compreensão leva o indivíduo a se afastar de julgamentos morais. Isso não significa que o indivíduo seja imoral. Imoralidade é a negação da moral pela ação considerada socialmente inadequada, maldosa, agressiva, e por vezes antiética. A moral permanece apenas convencionalmente pois a compreensão das leis de causa e consequência leva necessariamente ao entendimento de que há seres que ainda não alcançam este estado de percepção e isto deve ser respeitado como princípio ético.

Relação não-hierárquica com O Todo: Se somos a manifestação do Todo, então não há hierarquia entre nós e cada parte da existência. Da perspectiva da Deusa, tudo tem o mesmo valor. Assim se somos a manifestação do Todo, então as diferenças de poder são apenas diferenças de consciência e resultado das ações. Isso não justificará qualquer hierarquia pois decorrente das afirmações 2 e 3, o aumento de consciência leva ao aumento do serviço para o benefício do todo.

Não intervenção: como decorrente da afirmação 2, toda intervenção será uma violação, exceto em casos muito particulares onde um ente se permite ser auxiliado por outro ou quando um ente recebe a responsabilidade de cuidar de outro ente até que este outro tenha sua autonomia reestabelecida.

Respeito a liberdade e autonomia dos entes: quando as afirmações acima são compreendidas e respeitadas, a própria existência trabalha em favor da autonomia do ente para que se tenha mais possibilidades de ação para o benefício do Todo. Logo, cada ente tem sua liberdade aumentada como decorrente do aumento de sua consciência, e tende a respeitar a liberdade de outros entes como chave para o benefício do Todo.

Respeito à manifestacão da Vida: toda ação que concorra favoravelmente ao desenvolvimento da experiência de cada ente do todo é benéfica. Toda ação que cocorra contrariamente a isso é necessariemte má. Portanto defender o direto de algo existir em um determinado plano de existência tende a ser uma benéfica e consequentemente toda ação que diminua, limite ou cesse a manifestação de um ente num dado plano de existência só será benéfica se isso garantir que outros seres não tenham sua existência violada. Ou seja, causar dano, limitar ou cessar a vida outros entes só é justificável quando isso impede que mais dano seja causado, não importa a natureza do dano, se físico, mental, afetivo, mágico, espiritual.

Reitero: nenhuma dessas características pode ser invocada por qualquer pessoa. Ninguém pode se atribuir essas características ou atribuir a outros. Ou elas são manifestas progresivamente devido ao aumento progressivo de consciência ou não estarão lá.

Atribuir-se essas características e rogar sobre si desenvolvimento não-alcançado é tal como a criança brinca de ser policial enquanto o policial sabe que seu ofício para suas contas, sem pensar muito no assunto.

É possível Atribuir a outros essas características. Entretanto isso é elevar o outro a uma posição insustentável pois essas características podem se manifestar apenas parcialmente, e assim haverá sempre a possibilidade de falha pela falta de consciência de quem é atribuído e de quem atribuiu. O máximo que podemos fazer é reconhecer os resultados das ações do ente através do tempo e compreender as consequências dessas ações, sem julgamento.

Por fim, é preciso abandonar toda e qualquer posição contrária a Imanência, pois elas são antinaturais e falsas.

Imagem: Felix Mittermeier. Não somos detentores da imagem.
Compartilhar

Deixe um comentário