Há equivoco comum em grupos de magia, e mesmo algumas lideranças, quando falam sobre lei do retorno e a lei tríplice.
Que não há retorno.
Observem por um instante o problema: se não há retorno, não há consequência e, portanto, toda e qualquer ação é necessariamente inócua. Em suma, o retorno é sempre a consequência de qualquer ação, no tempo e através do tempo.
Dessa forma, a lei tríplice não é como a noção de pecado, onde um mal causado será punido por Deus.
Repito: é apenas a consequência de uma dada ação no tempo e através do tempo, onde todas as escolhas passadas de todos os envolvidos na ação competem contra ou a favor de determinadas consequência.
Caso hipotético
Antes de mais nada, tomemos um caso hipotético ― qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência:
João, 24 anos, bruxo e praticante de Wicca, se desentende com Alberto, 26 anos, em uma reunião de família. São primos de segundo grau. Alberto é espírita kardecista e bolsominion, mas eventualmente vai num terreiro de umbanda sem o conhecimento de sua família. Ambos são de classe média, e João tende a uma esquerda liberal e seu primo Alberto é de uma profunda ignorância política.
Alberto, dentro do escopo de sua visão de mundo, decide fazer umas entregas numa encruzilhada contra seu primo João, crendo que a fechada que ele tomou no trânsito foi “praga daquele bruxo ruim”. João até pensou no fato, mas deixou para lá.
Vamos pensar um instante nas consequências possíveis dessa narrativa ficcional.
Alberto fez magia contra João, mas ele crê firmemente na lei do retorno como punição divina dentro do escopo dos espíritas e umbandistas brasileiros. Ele tbm acha que se defender de seu primo bruxo é uma escolha boa, correta e justa, portanto, não há o que temer. Apesar disso, teme que algo volte para ele por não entender bem o que está fazendo.
João, bruxo, ainda é muito jovem em sua senda, mas já passou por Samhains o bastante para já manter um altar para seus ancestrais. Ele também sabe umas duas formas de magia de retribuição e sabe criar escudos mágicos simples. João infelizmente é negligente com oráculos, tendo aprendido mal essa arte. Ele se iniciou há cerca de 3 anos.
Consequências e cenários possíveis
1. Relação com ancestrais
O feitiço de Alberto pegará ou não em João dependendo da relação que João tem com seus ancestrais, assim como com outros seres e aliados deste e de outros planos. Quanto mais próxima e boa forem essas relações, mais dificilmente João sofrerá os efeitos do feitiço. Ambos possuem ancestrais em comum, um bisavô e uma bisavó, que podem ou não decidir interferir na situação, podendo entender que ambos aprenderão com essa situação ― ou decidir que as consequências dessa briga causará mais dano que o necessário e intervir.
2. Negligência gera consequência
Se João for negligente com suas proteções (e ser negligente é uma escolha), ele também está sujeito a receber o feitiço. João, devido à sua negligência com oráculos vai demorar para saber o que houve. Negligência gera consequência. Entretanto, se tiver cultivado boas relações com outros magistas que possam avisar do malfeito de seu primo, ele poderá reagir rapidamente. Desta forma temos uma escolha ruim (negligência com oráculos) compensada por uma boa escolha (amigos bons e capazes). Esse resultado depende da escolha de cultivar essas amizades, algo que pode ou não acontecer.
3. Contato prévio com espíritos
Se João decidir devolver o feitiço, isso será eficaz na medida das técnicas que ele conhece sobre o assunto. Ataques feitos com Necromancia exigem de quem defende banir ou devolver o efeito e banir os espíritos que realizaram o ataque. A Wicca não é exatamente uma religião focada em Necromancia, e em geral é provável que um dado praticante aprenda isso em algum momento, mas nem sempre todos aprendem o bastante. Portanto, as escolhas que João fez até aqui sobre o contato com os espíritos vão determinar se o feitiço de Alberto foi ou não eficaz, e se João é capaz de enviar de volta o efeito.
4. Lei dos territórios
Se João aprendeu o bastante para devolver o ataque, Alberto vai receber aquilo que enviou. João pode ainda enviar algo a mais, dado que ele teve o seu espaço invadido. A culpa que Alberto sente e sua firme crença no retorno como algo metafísico irão facilitar para que o feitiço volte. Veja, não é só porque João devolveu que vai voltar. Vai voltar, e também porque Alberto crê que isso pode acontecer e isso alimenta a magia de retorno que João fez. Alberto escolheu crer nisso e o universo respeita nossas crenças.
5. Magia de retorno
Caso João descubra que quem enviou foi seu primo Alberto, João pode colocar em seu feitiço de retorno os erros cometidos por seu primo devido a sua orientação política. Também pode, em seu feitiço de retorno, exigir dos Guias Espirituais de Alberto que botem um freio nele. Assim, os Guias podem agir, seja atuando diretamente, seja permitindo que o feitiço de João passe e não intervindo em favor de Alberto, ou podem simplesmente impedir que João atue, desfazendo tudo que foi feito por ele ― magia de ataque, retorno etc., deixando que o feitiço de Alberto pegue.
6. Escudos mágicos
Se João não foi capaz de ver o que aconteceu, nem tem aliados para atuar em seu favor seja neste ou em outros planos e seus feitiços de retorno não foram ou não são eficazes para este tipo de situação, então resta a qualidade de seus escudos mágicos. Novamente, se ele reforça seus escudos com frequência, sabe usar para se proteger e confia no seu funcionamento, os efeitos daquilo que Alberto lançou vão funcionar ou não de acordo com a eficácia dos escudos. Por exemplo, se a magia que ele fez foi para que o carro de João fosse danificado, e os escudos de João não foram feitos para o carro, então isso provavelmente acontecerá quando João não estiver no carro. João escolheu se defender, mas foi negligente com seu carro, e ambas as escolhas têm consequência. Todavia, e ainda seguindo este exemplo, se João tem sido negligente com seus escudos, logo, há também a possibilidade de sofrer um acidente estando dentro do carro.
7. Chamando a atenção dos guardiões
João, ao invés de devolver o ataque, pode decidir anular o que foi feito e responder o ataque com uma benção. Novamente, isso é uma escolha e costuma chamar a atenção dos guias e guardiões de quem recebeu a bênção. Inconscientemente, Alberto pode eventualmente perceber que ele não tem ali um adversário, mas um parente digno de respeito e cessar o ataque. Os espíritos envolvidos na questão podem deixar tudo isso pra lá… ou não. Mas terá consequências, variando de uma mudança no rumo das ações beneficiando os envolvidos até um erro crasso de estratégia.
8. O poder das escolhas
João pode simplesmente decidir não fazer nada. Isso é uma escolha e o universo vai respeitar essa escolha fazendo com que o feitiço acerte e fique mantendo seu efeito até que uma nova escolha seja feita.
Considerar escolhas passadas é essencial
Eu poderia continuar essa narrativa por muito mais exemplos, mas eu decidi apenas enumerar algumas possibilidades dentro de uma escolha simples entre dois indivíduos. Observem que todas as consequências são resultado das escolhas prévias de cada um, e não somente do feitiço que Alberto fez.
Desta forma, para uma percepção mais eficaz do que é a Lei do Retorno, é preciso considerar todas as escolhas passadas de um indivíduo, assim como todas as escolhas passadas de todas aqueles com quem ele interagiu até aqui.
Pensem nas seguintes variações para a história acima:
Quem começou o desentendimento? Se João ou Alberto, isso determina o que é justo na questão.
Qual dos dois possui mestres ou professores de magia? Isso pode determinar se haverá ou não uma ação de alguém mais capaz. No caso de Alberto, uma Mãe ou Pai de Santo. No caso de João, um iniciador ou iniciadora. Essa pessoa pode decidir atuar diretamente ou ainda dando instruções.
Quem faz parte de um grupo? Um coven ou um terreiro podem atuar nesta questão. Obviamente, pertencer a um grupo é uma escolha.
Quem tem mais tempo livre? Mais tempo livre significa mais tempo e disposição para atuar magicamente. Isso é uma escolha e gera um ônus.
Quem é efetivamente mais ético? Isso determina os limites da ação. Além disso, a posição política de alguém não implica necessariamente em falta ou presença de ética.
Quem têm mais a perder? Pessoas sem nada a perder são perigosíssimas. Assim, medo da perda limita o quanto estamos dispostos a nos arriscar.
Por fim, a vida é recheada de causas e consequências, e a lei tríplice é exatamente isso. É proporcional ao curso de ação realizado no passado.
Ignorar as consequências é um erro tolo
Embora seja comum que efeitos de magia tenham a aparência das causas mágicas, nem sempre é exatamente igual à ação inicial. Se chuto e soco uma pessoa, o universo normalmente não vai mandar alguém para me chutar e socar. Consequentemente, o mais provável é que os amigos dessa pessoa venham me ameaçar, questionar ou ainda que a pessoa faça um B.O. e me processe.
Por isso não defendo a ilusão de achar que não há consequência. Isso é um erro tolo e, para mim, um sintoma de uma geração de mimados incapazes de assumir responsabilidades.
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