unicórnios

Unicórnios: presença mítica e cultural através do tempo

Quem foi criança nas décadas de 1980 a 2000 deve lembrar da série de desenho animado chamada no Brasil de Caverna do Dragão (Dungeons & Dragons). Nessa série, um dos personagens mais marcantes era Uni que, em alguns episódios, de alguma forma, atrapalhava o retorno dos jovens heróis ao seu mundo. Uni era uma unicórnio filhote que acompanhava um grupo de adolescentes que estavam perdidos em uma outra dimensão, e durante a jornada desses garotos para encontrar o caminho de volta para casa, ela estava ligada principalmente a Bobby, um garoto temperamental que era chamado de “O Bárbaro”. No quarto episódio, intitulado “O Vale dos Unicórnios”, houve uma especial atenção ao mito dos unicórnios na série, onde alguns de seus poderes foram revelados, como o de teleportação e o de invisibilidade.

Apesar de ter vivido essa época, e ter assistido uma centena de vezes todos os episódios da série, não foi a Uni que me encantou e me “levou” para o reino encantado desses seres mágicos. Foi uma outra unicórnio, de um longa metragem que passava várias vezes na TV aberta, na Sessão da Tarde, de uma popular emissora de TV brasileira. O filme baseado no romance “ The Last Unicorn” (O Último Unicórnio), escrito por Peter S. Beagle, conta as aventuras de Lady Amaltéia. Na história, a Unicórnio ouve por uma borboleta que é a última que resta de sua espécie. Cheia de questionamentos, ela resolve sair de sua floresta, e em sua jornada, se depara com inúmeras situações: conhece uma valente e sensata cozinheira; um mago trapalhão que sofria de baixa autoestima; e um jovem cavaleiro apaixonado. A partir daí, ela encontra muito mais do que buscava originalmente no início de sua busca. Lady Amaltéia é um desses personagens mágicos que nos trazem aquela sensação de que a magia está em toda parte, e que só nos resta nos abrirmos para ela!

Outro filme que povoou o imaginário de muitas crianças no final dos anos 80 e início dos anos 90 foi “A Lenda” (The Legend, 1986). Na história, Jack (interpretado por Tom Cruise) é um jovem camponês que vive numa floresta mágica, repleta de seres fantásticos, como elfos, anões, fadas e unicórnios. Encantado pela princesa Lili (interpretada pela atriz Mia Sara), Jack resolve levá-la em um passeio para conhecer a floresta encantada, onde a princesa acaba chamando a atenção do Senhor das Trevas (interpretado pelo ator Tim Curry), um ser demoníaco que deseja transformar a inocente Lili em senhora das trevas, e assim ampliar seus domínios, transformando o mundo em um gigantesco reino das sombras. Só que, para isso, Lili, além de casar com o Demônio, precisa sacrificar o ser mais puro que existe: um unicórnio!

Unicórnio ilustrado por Annie Stegg Gerard

Oberon Zell-Ravenheart e os unicórnios no neopaganismo

O interesse por unicórnios pela cultura popular foi muito pródigo entre as décadas de 60 e 80, um dos mais importantes expoentes do neopaganismo: Oberon Zell-Ravenheart. Nascido em 1942, até hoje em dia ele é uma das personalidades neopagãs mais icônicas. Tendo sido co-fundador em 1962 da Igreja de Todos os Santos, uma igreja pagã com uma visão futurista e tendo publicado a revista Green Egg (1968-75; 1988-96), Oberon foi fundamental na fundação do movimento pagão moderno – nome dado por ele mesmo. Iniciado em várias tradições mágicas, Oberon esteve envolvido em muitos projetos reunindo diferentes crenças (Wicca, Druidísmo, Asatrú etc). Teólogo e ritualista, durante a sua vida sacerdotal, conduziu inúmeros rituais de passagem, celebrações sazonais, iniciações aos Mistérios, curas da Terra, dentre outros. Trabalhou como professor e conselheiro de famílias e jovens. Junto com sua esposa Morning-Glory cunhou o termo ‘poliamor’. E além de todo esse currículo mágico, místico, e talvez o mais extraordinário, foi o fato dele ter criado unicórnios na vida real. Sim, Oberon como bom mago, trouxe ao mundo unicórnios reais! 

A relação do Oberon com unicórnios começou quando ele estava lecionando na Universidade do Oregon, ele teria iniciado uma pesquisa sobre esses seres mágicos para a criação de um livro sobre criaturas mitológicas, e em suas pesquisas acabou encontrando informações curiosas sobre antiga práticas de intervenção “cirúrgicas” em animais de rebanho (carneiros, vacas, búfalos, gazelas e cabras). Essas descobertas acabaram o incentivando a querer criar unicórnios. Para entendermos essa possibilidade, vamos conhecer um pouco da história de um outro pesquisador.

Na década de 30, o veterinário William Franklin Dove começou a pesquisar sobre o desenvolvimento dos chifres em animais de rebanho. A partir de suas pesquisas, ele encontrou registros dos “unicórnios do Nepal”, que eram basicamente carneiros que haviam tido seus chifres alterados à partir de técnicas milenares de alteração com uso de ferro quente e unguentos da morfologia de seus cornos, com o objetivo de se conseguir animais que se tornassem líderes de rebanho com algumas características próprias.

A partir de suas pesquisas, Dove desenvolveu a técnica que consistia em retirar os ‘brotos’ dos chifres, fundi-los, e depois reimplantá-los. Os chifres cresceram como um só, e a saúde do animai não era afetada. Dove fez o experimento com um boi, que a partir daí teve o surgimento de um único chifre na testa. Foi a partir das pesquisa do Dove que Oberon Zell considerou desenvolvê-la em caprinos e assim obter seus unicórnios.

Apesar de ter estudado medicina, e tendo um conhecimento científico bem vasto, ele preferiu contar com o apoio de um veterinário para a execução do procedimento, e assim eles desenvolveram uma técnica, que inclusive foi patenteada em múltiplas variações. O cruzamento de bodes angorá de pelo macio com cabras saanan, de pernas longas, resultou em animais que lembravam exatamente os unicórnios da iconografia medieval.

A recriação dos unicórnios no nosso mundo

Muitos unicórnios foram criados por Oberon e Morning Glory. Eram seres adoráveis, completamente dóceis, inteligentes e graciosos. Animais verdadeiramente de contos de fadas. As pessoas esqueciam completamente que aqueles animais eram, na realidade, bodes, tamanha era a similidade dos animais com os feéricos unicórnios. Como resultado das intervenções cirúrgicas, Oberon acreditava que o desenvolvimento do único chifre no meio da testa dos animais acabou desenvolvendo uma alteração no funcionamento da glândula pineal e pituitária deles. Houve vários relatos de pessoas sensíveis que conheceram um dos mais famosos unicórnios de Oberon, Lancelot, alegando que ele antevia os que as pessoas pediriam a ele.

Os unicórnios do Oberon passaram a serem levados à várias feiras místicas, ou feiras medievais e renascentistas, onde faziam muito sucesso. Afinal, eram a materialização de intervenção de um casal de bruxos que haviam recriado esses seres mágicos no nosso mundo. E como eram maravilhosos!

Nas décadas de 70 e 80 acabaram se tornando notícia de jornal, até que o Ringling Bros (um dos grupos circenses mais importantes dos EUA naquela época) ficaram sabendo, e acabaram conseguindo um contrato para levar Lancelot em uma tourné pelos Estados Unidos. Bem, o último dos unicórnios morreu em 2005, aos 17 anos, e Oberon não quis mais produzir nenhum destes seres.

Oberon Zell e um de seus unicórnios

A história dos unicórnios

O termo “unicórnio” é o mais conhecido por nós, mas esses seres mágicos também podiam ser conhecidos como “licórnio”, “licorne” ou ainda “monóceros”. A palavra unicórnio vem do latim, a partir da junção das palavras latinas “unus” (um), e “cornu” (chifre), ou seja, único chifre. Assim como o termo monóceros, que apresenta o mesmo significado. Do ponto de vista arqueológico, a possível origem dos unicórnios pode estar relacionada aos fósseis e representações do Elasmotherium sibiricum, uma espécie semelhante ao rinoceronte. Esses animais coexistiram com os hominídeos pré-históricos e deixaram vestígios de sua existência no imaginário coletivo.

No entanto, a origem exata e o local de surgimento destes seres é incerta. Alguns apontam para a Pérsia, outros para a China ou Rússia, e há ainda os que relatam que foi na Indonésia que surgiu o mito deles. O que existe até hoje é a forte presença desse ser no folclore de cada uma dessas culturas. Foram encontrados ainda no Vale do Hindo, nas ruínas das antigas civilizações de Harapa e Mohenjo Daro, alguns sinetes de argila com a imagem de animais que podiam ser interpretados como unicórnios.

Na literatura Ocidental, os unicórnios foram citados pela primeira vez pelo médico grego Ctésias, em 400 a.C. Ele os descreveu como sendo animais que viviam na Índia e se assemelhavam a burros ou cavalos, com pelos brancos, cabeça vermelha-escura, olhos azuis escuros e um único chifre de base branca no meio da testa, com meio preto e ponta vermelha. Eram ágeis e fortes, com pernas longas e uma cauda que lembrava a cauda de um javali. Segundo consta, teria Ctésias ouvido relatos sobre esses animais durante uma de suas viagens à Pérsia. Não eram simpáticos aos humanos; emitiam balidos agudos e seu chifre possuíam inúmeros poderes mágicos e terapêuticos, podendo curar epilepsia, impotência, e tornar uma pessoa imune à venenos.

Relatos históricos

Apesar do relato de Ctésias, outras descrições sobre o unicórnio se tornaram populares no mundo Ocidental: teria ele a cor branca, com cauda de leão, corpo de cavalo, pernas de antílope, com um chifre em espiral na testa, barba de cabra e olhos azuis. Os unicórnios foram também descritos brevemente por Aristóteles em seu livro de zoologia “As partes dos animais”.

Plínio, o Velho, menciona dois unicórnios, o “Búfalo Indiano”, que provavelmente era um rinoceronte, ou o oryx. O oryx é uma espécie de gazela grande que habita regiões desérticas, e que por vários fatores podem perder um de seus chifres e ficar assim com apenas um, ficando assim bem parecido com o unicórnio do Ctesias. Ele ainda descreve o “Monoceros” como um animal com a cabeça de cervo, pés de elefante, rabo de javali, corpo de cavalo, e um único chifre negro de dois cúbitos saindo da testa.

Muitas representações de criaturas com um único chifre brotando da testa foram encontradas, algumas inclusive da Era do Bronze. Arqueólogos afirmam que esses ‘unicórnios’ são apenas bois ou búfalos de perfil, daí a visão de apenas um chifre. Muitos desses seres descritos por antigos viajantes europeus, como é o caso do tão mítico venesiano Marco Polo, são apenas rinocerontes asiáticos, embora outros tenham sua definição imprecisa.

O viajante muçulmano Ahmad ibn Fadlan, considerado um dos escritores árabes medievais mais confiáveis, afirmou em seus relatos que encontrado em suas andanças vestígios de homens que teriam caçado o animal, tendo ele próprio confirmado ter visto potes feitos com chifres de unicórnio. O mundo Persa era pródigo em descrições desses seres, mas é no extremo oriente onde encontramos muitos vestígios tanto reais como míticos de unicórnios. 

Representações asiáticas

Na China, e posteriormente no Japão, havia o mito do Kirin. Introduzido no Japão e Coréia juntamente com o Budismo no século VII, o Kirin é uma criatura mágica chamada de “o mensageiro dos deuses”. Muitas descrições foram atribuídas ao Kirin, e a mais comum retrata uma criatura com cabeça de dragão ou similar a uma raposa, corpo e patas de cervo, crina e cauda de cavalo ou javali, e escamas de carpa. Em algumas narrativas ele aparece com chifres de cervo, em outras surge com um único chifre espiralado no meio da testa. Geralmente se manifestava cercado por uma luminosidade intensa, lembrando chamas azuladas. Seu nome é formado pela junção de duas palavras: Ki (masculino) e Rin (feminino), o que deixa margem para imaginar que essa criatura podia ser entendida como hermafrodita. O avistamento de um Kirin trazia sorte de todas as formas, pois apenas aqueles marcados pelas bênçãos dos deuses podiam ver essas criaturas.

Conta a lenda que, quando a mãe do filósofo chinês Confúcio “Kung-fu-Tze” estava grávida, um Kirin apareceu para anunciar o nascimento daquele que estaria à frente de seu tempo, e cuja sabedoria mudaria os rumos de toda a nação chinesa (e consequentemente do mundo). Essa era mais uma das atribuições do aparecimento de um Kirin, o ser mais puro, que respeita todas as formas de vida do Universo. Com mais de três mil anos de existência, ele só apareceria para humanos a cada quinhentos ou mil anos. É crença entre japoneses, chineses e coreanos, que a imagem de um Kirin, incluindo em esculturas e gravuras, possui o poder de trazer a proteção divina deste animal sagrado. De modo geral, Kirin é o mensageiro de grandes mudanças, sejam elas um prenúncio de alerta para desastres ou bons presságios para a humanidade.

Em 2012, uma equipe de arqueólogos norte-coreanos divulgaram a notícia de terem descoberto vestígios da existência física de um unicórnio. O achado teria ocorrido próximo a um templo localizado na capital do país, Pyongyang. Em um dos locais do templo foi encontrada uma pedra retangular com a inscrição “covil do unicórnio”. Segundo os pesquisadores, a data da inscrição remete ao Reino Goguryeo (918-1392).

Ilustração de um Kirin

Aparições de unicórnios no ocidente

No Ocidente, durante a Idade Média, a imagem do unicórnio foi apropriada pela Igreja Católica. A palavra “unicórnio” surgiu pela primeira vez na Bíblia quando ela foi traduzida para o grego (Septuaginta), no séc. IV da Era comum. O termo original em hebraico, que teria o significado aproximado de “monokeros”, ou “monochifre”, provavelmente se relacionava ao oryx ou a um tipo de boi selvagem, parecido com um auroque, um animal que era encontrado na Mesopotâmia e que hoje se encontra extinto.

Posteriormente, no livro grego Physiologus, do século V d.C., o unicórnio foi relacionado com o milagre da encarnação divina de Jesus Cristo. Centro de calorosos debates ao longo do tempo, o milagre da Encarnação de Deus em Maria passou a ser entendido como um dos dogmas da Santa Madre Igreja, apontando a pureza da mãe de Deus encarnado, ou seja, o Cristo: nessa operação teológica, o unicórnio tornou-se um dos atributos recorrentes da Virgem, e daí difundiu-se o mito de que somente uma virgem poderia atrair um desses seres. O unicórnio passou a ser, também, uma representação do próprio Cristo, o filho unigênito de Deus.

A alegoria de um unicórnio capturado por uma donzela, em que a donzela representa a Virgem Maria e o unicórnio a encarnação divina, passa a ser amplamente difundida. Vários artistas, alguns famosos, outros anônimos, irão cada um dar a sua própria versão dessa representação. O próprio Leonardo da Vinci iria escrever sobre isso de uma maneira mais literal, dando a sua própria versão imagética dos unicórnios.

Ainda por volta de 1500, foram produzidas as tapeçarias intituladas de “A Dama e o Unicórnio” (La Dame à la licorne), que hoje encontra-se no Musée Cluny, em Paris. Ao todo, as tapeçarias englobam um conjunto de seis enormes representações de unicórnios e damas, em jardins repleto de flores, plantas e animais diversos, e que possuem uma grande alegoria relacionada aos cinco sentidos, e um sexto, que alimenta o grande mistério sobre tal personagem e a criatura ao seu lado. Com tons avermelhados, de vinho nobre e detalhes em dourado, a tapeçaria se ergue enorme diante dos olhos e reserva uma história para contar. 

Descobertas em 1841 por Prosper Mérimée em Boussac Castelo (Creuse), a tapeçaria foi adquirida em 1882 por Edmond Du Sommerard, primeiro diretor do Museu de Cluny. As possibilidades de sua representação trazem à tona uma ênfase no amor humano ou mesmo na ascensão espiritual que seria esse sexto sentido. A sequência das tapeçarias também podem sugerir a ascensão social desta dama que se oferece ao casamento. Até hoje essas tapeçarias representam o auge da iconografia de unicórnios no final da Idade Média.

Unicórnios emblemáticos na idade média

Com a sua representação popularizada, muitas representações de unicórnios foram encontradas no final da Idade Média. Muitos cassoni (grandes caixas de madeira decoradas, parte do enxoval das noivas) italianos dos séculos XV e XVI, tinham unicórnios pintados em suas tampas, representando a castidade de suas donas. O unicórnio também aparece em emblemas e em cenas alegóricas, como o Triunfo da Castidade ou da Virgindade e em muitos brasões de armas, na heráldica medieval e moderna, como nos brasões de armas do Canadá, da Escócia e do Reino Unido.

A Constelação do Unicórnio, situada sobre o Equador, é uma das 88 constelações das quais os astrônomos modernos dividem o céu. Pertencente a família de Órion, ela é melhor vista no mês de fevereiro, entre as latitudes +75º a -85º. Sua denominação teria sido dada pela primeira vez pelo cartógrafo holandês Petrus Plancius, que a retratou em 1612, inspirando-se na simbologia cristã desse ser, relacionada à pureza. As estrelas mais importantes dessa constelação são a Plasket (o maior sistema binário conhecido na atualidade)  e a HD48099, que é 350 mil vezes mais brilhante que o nosso Sol.

Durante a Idade Média, presas de narvais capturados nas águas do Ártico circulavam por toda a Europa medieval como prova da existência de unicórnios. Tais presas seriam dotadas de poderes mágicos e curativos. Obviamente, as pessoas não conheciam a origem dos verdadeiros donos das quais esses “chifres” eram extraídos, que, na verdade, são cetáceos que passam longe dos delgados unicórnios das lendas. A crença comum atribuía ao chifre desses seres uma fonte de poderes: dons de cura, invisibilidade, teleportação etc. 

Durante a Idade Média, esses chifres eram pulverizados e utilizados contra picadas de insetos, animais venenosos ou mordidas de cobras. Também eram utilizados contra o ataques de vermes, perda de memória, esterilidade e impotência sexual, dentre outras. Continuou a ser amplamente utilizado até o século XVII. Provavelmente esta crença nas características curativas dos chifres de unicórnio foi difundida na Europa como uma herança vinda da China através da Rota da Seda, já que chifres de rinocerontes, o animal que mais provavelmente inspirou o unicórnio, até hoje faz parte da medicina tradicional chinesa.

Fotografia de um narval

Os míticos poderes de cura dos unicórnios

Era uma crença difundida que o chifre de unicórnio se revestia de suor ao ser exposto a alimentos envenenados, o que o tornava uma ferramenta valiosa para detectar veneno em diversas ocasiões, como jantares e cerimônias nas cortes europeias até o século XVIII. Além disso, acredita-se que o chifre possuía incríveis poderes mágicos que podiam ser absorvidos ao serem incorporados em objetos encantados. Por exemplo, ao ser colocado em um cálice, proporcionava proteção àqueles que bebiam dele, ou quando um pedaço do chifre era inserido em um anel, conferia seus poderes ao portador.

Os portadores do chifre de unicórnio acreditavam que além dos poderes físicos, também eram transmitidos poderes morais, tornando-o um amuleto poderoso capaz de conceder força, sabedoria e magia ilimitada. No entanto, esses poderes só podiam ser ativados através do contato com outro unicórnio. O chifre era considerado a fonte desses poderes, contendo até mesmo os pensamentos do animal, e emitia uma luz prateada ou dourada. Os unicórnios possuíam habilidades tão extraordinárias que podiam destacar seus chifres como meros adornos ou torná-los invisíveis usando magia de glamour, o que poderia confundir alguém que os confundisse com um simples cavalo branco.

Existem vários mitos que narram diferentes versões sobre a origem dos unicórnios. Um deles diz que os primeiros unicórnios chegaram ao nosso mundo envoltos em uma nuvem ou neblina mágica. Outro mito sugere que eles surgiram quando os primeiros raios prateados da lua tocaram o solo ou as espumas do mar, e com seus chifres mágicos em espiral, tocaram uma pedra da qual brotou a fonte da vida. Dessa forma, a terra foi fecundada e surgiram grandes árvores, prados floridos, frutas e várias formas de vida. Bestas selvagens passaram a habitar o jardim original da vida, chamado de Shamagim, o “lugar onde há água”.

O chifre de unicórnio é mencionado por Thomas Bulfinch em seu livro “A Idade da Fábula” como um dos alvos mais difíceis e cobiçados pelos caçadores. O chifre, que era controlado pela vontade do animal, atuava como uma espécie de espada em sua defesa. Toda a força do unicórnio residia em seu chifre, tornando-o uma fonte de segurança para o animal. Segundo Bulfinch, o naturalista romano Plínio descrevia o unicórnio como uma criatura feroz, capaz de derrotar até mesmo as feras mais perigosas, como leões e ursos, com seu chifre de mais de um metro. Essa ferocidade só poderia ser contida por uma mulher virgem, pois o animal não resistia aos encantos femininos. A conexão com mulheres virgens talvez esteja relacionada à sua associação com a pureza e inocência retratadas na maioria das lendas, embora essa metáfora também traga uma forte conotação sexual ao mito do unicórnio.

Outras qualidades mágicas e representações

O unicórnio é associado a várias qualidades, como inocência, pureza e temperança, possuindo uma ligação mágica com a Donzela, representando o aspecto inocente e livre da Deusa. Essas criaturas estão ligadas ao mundo da magia, encantamento e ao reino das fadas. Eles habitam bosques intocados e são atraídos por pomares de maçã, seu alimento preferido. Os unicórnios possuem uma energia natural de cura, um dom que acompanha seu nascimento e se desenvolve com o passar dos anos.

Na literatura moderna, como na série Harry Potter de J.K. Rowling, o sangue do unicórnio é mencionado como necessário para Voldemort manter sua vida, mas o ato cruel de matar uma criatura tão pura e beber seu sangue tem um preço terrível. Aqueles que o fazem se tornam vazios, frios e amaldiçoados. Rowling descreve que os filhotes de unicórnio nascem dourados, se tornam prateados quando jovens e finalmente se tornam brancos quando adultos. É interessante notar que a varinha do personagem Ronald Weasley possui um núcleo de pelo de unicórnio.

O unicórnio tem sido uma presença marcante em diversos meios de comunicação e na arte pop. Ele aparece em obras literárias como “The Last Unicorn” de Peter S. Beagle, “Alice no País dos Espelhos” de Lewis Carroll e “As Crônicas de Nárnia” de C.S. Lewis. Em “A Princesa de Babilônia” de Voltaire, um unicórnio é montaria do herói Amazan. No livro “Memórias de Idhún” de Laura Gallego García, o unicórnio é um dos personagens principais e faz parte de uma profecia que salva Idhún dos sheks. Ventania, o unicórnio alado de She-Ra na série de desenho animado “She-Ra: Princes of Power”, representa uma outra categoria de unicórnios, os unicórnios alados, também conhecidos como alicórnios, seres fantásticos e híbridos com asas de Pégaso e o tradicional chifre único de um unicórnio.

No mundo das artes

A imagem do unicórnio acompanhou as artes durante séculos, sendo bastante utilizado durante a Idade Média europeia ocidental, bem como em alguns locais da Ásia, como na China e na Índia.

No mundo das artes contemporâneas, podemos destacar a escultura de Olaf Nicolai, na qual ele retrata um magnífico unicórnio negro (2006) em tamanho real, que convidava o visitante a tocá-lo simulando um ser vivo com temperatura mantida em 43º, criando, assim, a sensação de realidade.

Salvador Dali (1904-1989), pintor catalão e principal nome do Surrealismo, também deu a sua contribuição na criação artística com a temática de unicórnio “El Unicornio Alegre” (1977).

Rebecca Horn, artista alemã performática, desenhista e cineasta, criou em 1971 a performance Unicorn, onde colocou uma estrutura de madeira branca com um chifre lembrando um Unicórnio, para demonstrar experiências sensuais-eróticas e do sofrimento mental e físico. 

Vários animais do mundo “real” estão ligados à energia do unicórnio, e a energia desses seres pode auxiliar a acessar a sua egrégora e magia através de jornadas xamânicas, assim como acontece com outros seres mágicos, como os dragões. Dentre esses animais podemos destacar:

  • Rinoceronte-indiano – chegando a até quatro metros de comprimento, o rinoceronte-indiano (Rhinoceros unicornis) é o maior dentre as três espécies de rinocerontes da Ásia;
  • Saola (Pseudoryx nghetinhensis) – é um bovino que foi descoberto apenas em 1992, perto da fronteira do Vietnã com o Laos. O saola é apelidado de “unicórnio asiático” por causa de sua raridade: nunca um cientista avistou pessoalmente o animal;
  • Narval – Durante a Idade Média, as presas desse animal, que pode crescer até atingir 2,6 metros de comprimento, eram apresentados como “chifres de unicórnio”. Na natureza, o narval (Monodon monoceros) é provavelmente a criatura mais mágica, por causa de seus incríveis poderes sensoriais;
  • Unicórnio-de-nariz-curto – unicórnios também podem ser encontrados em águas mornas, na forma de peixes coloridos e tropicais, conhecidos como peixes-unicórnio (pertencentes ao gênero Naso). Uma das maiores espécies é o unicórnio-de-nariz-curto (Naso unicornis), que pode chegar a medir 60 centímetros de comprimento e apresentar um chifre de até seis centímetros;
  • Louva-a-deus-unicórnio-do-Texas (Phyllovates chlorophaea) vive na fronteira entre os Estados Unidos e o México e pode crescer até 7,5 centímetros;
  • Ocapi – o ocapi (Okapia johnstoni) tem o corpo de um cavalo marrom, pernas listradas como as da zebra, grandes orelhas como uma vaca, um pescoço relativamente comprido e um par de chifres de até 15 centímetros entre seus machos;
  •  Aranha ‘Unicorn’ – aranhas do gênero Unicorn são chamadas assim por causa de uma protrusão pontiaguda entre os olhos e as mandíbulas dos machos, conhecida como chifre clípeo;
  • Pauxi pauxi – é uma ave negra do tamanho de um peru que vive nas densas florestas da América do Sul. Cada animal exibe um chifre ornamental de cor azul-clara em sua testa, e que pode atingir até seis centímetros;
  • Camarão-unicórnio – o nome científico deste crustáceo, Plesionika narval, é um reconhecimento ao outro unicórnio do mar, o narval, citado acima. Mas enquanto o mamífero vive apenas no Ártico, o camarão se espalha mais pelo mundo, sendo encontrado desde a costa de Angola até o Mar Mediterrâneo, além da Polinésia Francesa;
  • Órix-da-Arábia: com realistas chifres que podem medir até 75cm, o Oryx lucoryx, tem tantas características semelhantes às de um unicórnio que pode ser descrito como uma fonte de inspiração para a criatura mística.

Os unicórnios estão intimamente ligados ao mundo das criaturas feéricas e podem ser invocados magicamente para proteger crianças, lugares e animais. Além disso, possuem uma energia de cura e facilitam viagens astrais, telepatia e contato com o reino das fadas. Trabalhar com unicórnios fortalece o poder mágico individual e promove a purificação espiritual. Devido à sua conexão com a energia lunar, é mais eficaz trabalhar magicamente com unicórnios durante a lua cheia. Essas criaturas também têm a capacidade de auxiliar na cura da nossa criança interior e no processo de cura de traumas relacionados a abusos emocionais e sexuais.

Elementos:

  • Cores: branco, preto, vermelho e prateado
  • Aromas: maçã, florais, pêssego e demais perfumes suaves
  • Instrumento mágico: os unicórnios estão ligados às varinhas mágicas, obviamente por sua ligação com seu chifre
  • Pedras: selenita, quartzo rutilado, quartzo
  • Metal: prata
  • Planeta: lua
  • Oferendas: maçãs e flores brancas

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