Bruxaria, Feitiçaria, Bruxa, Feiticeira, Enchantress, Socière, Witch, Wizard, Magia, Macumbeira, Stregoneria, Caminho Maldito, Caminho dos Condenados, Caminho da Noite, Pharmakeia, a Arte, o Caminho dos Antigos. Diversos termos, ignorantes e corretos, foram utilizados ao longo da história da humanidade na busca de definir àquelas pessoas que trabalhavam com o mundo espiritual, com o invisível e com encantamentos e feitiços na busca dos mais variados resultados. É necessária a compreensão mínima da história de nosso caminho espiritual para não reproduzirmos discursos preconceituosos, ignorantes ou errados do ponto de vista histórico; ou também para que não sejamos apenas ovelhas que seguem um caminho sem questionar como e porquê chegamos ali. Buscamos também não nos tornar inquisidores da verdade única da bruxaria, onde nosso conceito está correto e o do outro está errado; mas buscamos ir além disso, compreendendo as diversas bruxarias, históricas ou não, que surgem ao longo do tempo em nossa história enquanto espécie humana. O Conhecimento para nós da TCS é sagrado, e é por isso que buscamos nos esforçar para ampliar e aprofundar cada vez mais nossos conhecimentos, principalmente os que envolvem nossa fé e nossa magia. Aqui buscaremos elaborar um panorama de como o conceito da Bruxaria e sua história se fazem presentes e refletem em nossa prática, caminho, história e formação enquanto wiccanos e bruxos modernos, além de reconhecer a importância de se fazer esse debate já no início de nossa caminhada de aprendizado.
O termo em português bruxaria/bruxa é genérico. Sua origem é traçada desde a Era Antiga (séc. III A.E.C.) da Península Ibérica (atualmente onde se localizam Portugal e Espanha) e é caracterizado como tendo raízes pré-latinas, ou seja, que não vieram do idioma latim; junto com outras palavras como cama, morro, sarna e bezerro. Ao longo da idade média (séc. VI-XV E.C.) o termo vai abranger a prática da magia por pessoas que tinham algum vínculo com o diabo cristão e utilizavam de sortilégios para afetar a ordem natural das coisas, que era àquela definida por deus. Segundo o historiador estadunidense, Jeffrey Burton Russel, existem três pontos de vista principais sobre o que é bruxaria e o que é ser bruxa: “o primeiro ponto de vista é o antropológico e demonstra que bruxaria é sinônimo de feitiçaria; o segundo é o histórico, que através de documentos escritos coloca qualquer tipo de bruxaria como uma prática ligada ao culto ao diabo; o terceiro é o da bruxaria moderna ou hodierna, que defende a bruxaria como uma forma de religião pagã (ou neo-pagã), esse último sendo um ponto de vista normalmente defendido por wiccanos.”
Partindo desse ponto, temos então a perspectiva de que a história da bruxaria se divide em alguns campos:
- Campo Mágico-Religioso: sendo definido pelos que se consideram bruxas e bruxos, descendentes ou não de práticas antigas/medievais e que enxergam a bruxaria como parte de um sistema espiritual amplo e complexo;
- Campo Documental Cristão: baseado nos relatos advindos da Igreja Católica e Protestantes ao longo da idade média e moderna, que definem a bruxaria essencialmente como um culto ao diabo cristão e de práticas “maléficas” contra os “cristãos de bem”.
- Campo Histórico-Antropológico: o que define a bruxaria enquanto conceito, sinônimo de todas as práticas de feitiçaria ao longo da história da humanidade, independente das sociedades ou civilizações que eles tenham feito parte. Aqui ele entra como sinônimo de magia, feitiçaria e animismo.
Nesse sentido, entendemos então que a busca por sanar nossa dúvida sobre o que é bruxaria e a sua história passa, necessariamente, por uma definição prévia de qual o local de fala que estamos partindo para iniciar esse debate, ou seja, qual conceito científico, histórico ou religioso usaremos para iniciar essa conversa.
A nossa bruxaria começa na década de 50. A Wicca, como início do culto bruxo moderno, marca um processo longo e ainda em curso de resgate e ressignificação do que é a bruxaria e seu real propósito no mundo de hoje. Gerald Brosseau Gardner (13 de junho de 1884 – 12 de fevereiro de 1964/ 79 anos) foi o fundador do caminho da bruxaria na Inglaterra, bem como o primeiro a vir publicamente se definir como bruxo. Robert Cochrane (26 de janeiro de 1931 – 3 de Julho de 1966/ 35 anos) trouxe imediatamente um antagonismo para as práticas de bruxaria na Inglaterra, pois ele rechaça a filosofia gardneriana e passa a chamar os wiccanos como “Bruxaria Gardneriana” ou “os seguidores de Gardner”. Cochrane vai definir suas práticas diferenciando-as da Wicca e do legado de Gerald Gardner. Se com certeza podemos chamar Gardner de Pai da Wicca e da Bruxaria Moderna, Robert Cochrane seria o principal ator na fundação das vertentes mágico-espirituais que vão buscar se afastar daquela ensinada por Gardner: Cochrane é o pai da Bruxaria Tradicional. Hoje, mais de 50 anos depois, temos diversos grupos de bruxarias, tradicionais e modernas, advindas dos primeiros conflitos e picuinhas do meio pagão 🙂
Meio pagão? Quando começamos a usar esse termo: paganismo?
No período da contracultura e movimento new age pós segunda guerra mundial. Naquele tempo as pessoas mais jovens estavam ansiosas buscando uma nova resposta para a vida, que não fosse a de fundo cristão, que na perspectiva deles tanto mal tinha causado na cultura e na influência sobre as duas Grandes Guerras da humanidade. Ao longo da década de 50 (menos de 15 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial) estourou na Europa e principalmente nos Estados Unidos, a ideia de que a cultura bélica que levou o mundo a beira da destruição não servia mais, eles tinham que ir contra essa onda, mudar. Foi então que surgiram movimentos das mais diversas formas sociais que buscaram oferecer sentido a essa demanda dos jovens: o feminismo, o movimento hippie, o movimento ambientalista, a cultura de paz, a eco espiritualidade, o xamanismo moderno, etc. Na europa o movimento do neodruidismo estava em plena ascensão assim como o movimento odinista nórdico e Asatru. Nos EUA a Wicca finca suas raízes e encontra na figura da Grande Deusa a função social de prover àquelas mulheres com uma espiritualidade que finalmente as tratava como protagonistas principais, e não mais como meros adereços reprodutores da cultura patriarcal machista; nascia o Dianismo, com o foco único e total na Deusa. E ao longo dos anos esses praticantes assumiram a identidade de neopagãos ou pagãos modernos, buscando uma raiz identitária nos cultos agrários pré-cristãos e definindo todas as sociedades politeístas em paganismo, pois entendiam a Natureza como divina e sagrada. Daí que vem o uso do termo nos dias de hoje.
É muito comum ouvirmos falar de diversas Tradições de bruxaria no Brasil e no mundo. Mas quando começou esse movimento de sociedades e grupos secretos relacionados a magia? Podemos definir um ponto comum nas ordens mágicas e esotéricas da Europa durante os séculos XIX e XX. Desde então tivemos enormes “booms” de grupos e caminhos ligados direta ou indiretamente as práticas que chamamos de Bruxaria . A Bruxaria hoje pode ser definida como um conjunto de práticas mágico-espirituais, que possuem ou não um corpo religioso-sacerdotal, vinculada ao culto da natureza enquanto meio de se reconectar com o divino. Alguns caminhos de Bruxaria como: Clan of Tubal Cain, 1734 Tradition/Cochrane’s Craft, Sabbatic Witchcraft, se situam dentro do que chamamos de “Bruxaria Tradicional” (BT). Essas vertentes em sua maioria não reconhecem a função sacerdotal dentro da Bruxaria, nem entendem a Arte como um caminho religioso, estando vinculados literalmente ao conceito de “Craft”, que pode ser traduzido para o português como “Arte” ou “Ofício”. Eles também não possuem necessariamente a ideia de sacralização da natureza ou a identidade pagã. Já a Wicca Moderna, Dianic Tradition e Tradição Caminhos das Sombras por exemplo, reconhecem a Bruxaria como um caminho também religioso e sacerdotal e treinam iniciadas e iniciados para atuarem em seus grupos e comunidades como líderes religiosos. É importante frisar que mesmo possuindo um caminho religioso e sacerdotal, a maioria desses grupos não excluem ou negam as práticas da magia e da feitiçaria como ofício, vinculadas historicamente ao folclore popular das bruxas e defendida por grande parte dos praticantes de BT.
Sabemos que um dos grandes movimentos de ascensão da Bruxaria na modernidade foi e ainda é devido ao movimento feminista e sua busca pela sacralidade feminina no contexto espiritual. Tais anseios levaram as mulheres a encontrar na Wicca uma divindade criadora que lhes proporcionou identidade e um caminho religioso com o qual se sentiam pertencentes sem se sentirem inferiores ou abaixo das figuras masculinas. Graças ao trabalho de Doreen Valiente, ao sair do coven de Gerald Gardner e desenvolver novas liturgias e textos sagrados com enfoque na Deusa; e Z. Budapest criando o conceito de “Sagrado Feminino” e o movimento diânico, ocorre uma ressignificação das práticas de Wicca e Bruxaria no ocidente a partir da década de 70; inicialmente nos Estados Unidos e posteriormente em outros grupos de bruxaria pelo mundo, onde a o Sagrado Feminino ganha um enfoque muito maior e em alguns casos, exclusivo , no culto ao Divino Feminino. Após isso a Wicca torna-se mundialmente conhecida como a Religião da Deusa.
No Brasil, a bruxaria como conhecemos hoje começou a criar raízes em meados da década de 90 em listas de discussões de emails onde praticantes e interessados no tema se reuniam para trocar experiências e ensinamentos sobre a bruxaria e a Wicca. A partir desses grupos, organizaram-se grupos de mulheres e posteriormente tradições de bruxaria, que vão desenvolver um trabalho público principalmente no Centro Oeste, na cidade de Brasília, e no Sudeste, na cidade de São Paulo e no Rio de Janeiro.
Hoje em nosso país possuímos grupos de variadas origens e definições. Desde grupos de Traditional Witchcraft (BT), Diânicos, do paganismo nórdico, druidismo e wiccanos, temos visto cada vez mais a bruxaria vir a público e se consolidar como uma das diversas formas de caminho espiritual existentes no Brasil.
O processo de estudar a bruxaria e o neopaganismo e sua história é longo e interminável. Até porque, como poderíamos parar de estudar e compreender algo vivo, mutável, adaptável que desperta cada vez mais no coração dos sinceros buscadores da Arte? Como poderíamos pensar em não distribuir e instigar cada vez mais conhecimento para àqueles que buscam os Antigos Caminhos como sua maneira de expressão espiritual e religiosa nos mundos? O que Hécate pensaria de nós se não trabalhássemos dia a dia para que a Bruxaria possa chegar para todas àquelas pessoas que foram marginalizadas, inferiorizadas, maltratadas e diminuídas? A história da Bruxaria continuará a ser contada e escrita ao longo das eras.
E nós iremos perpetuá-la cada vez mais. Pois esse é nosso legado.
REFERÊNCIAS PARA LEITURA:
- Drawing Down the Moon: Witches, Druids, Goddess-Worshippers and Other Pagans in America. Margot Ader, 1979.
- History of Witchcraft, Sorcerers, Heretics, and Pagans. Jeffrey Burton Russel. 2007.
- The Night Battles: Witchcraft and Agrarian Cults in the Sixteenth and Seventeenth Centuries. Baltimore: Johns Hopkins University Press. 1983. Carlo Ginzburg. (First published in Italian as I benandanti, 1966).
- Ecstasies: Deciphering the Witches’ Sabbath. New York. Carlo Ginzburg, 1991. (First published in Italian as Storia notturna: Una decifrazione del Sabba, 1989).
- What We Knew in the Night: Reawakening the Heart of Witchcraft. Raven Grimassi, 2019.