Sonhos, profecias, oráculos, visões e… Cassandras!





Sonhos, profecias, oráculos, visões e… Cassandras!

[o texto abaixo é uma versão de uma sequência de e-mails de um ou dois anos atrás, e fiz uma versão final. Eu havia pedido permissão para a Naelyan para enviar para o blog, mas com minha memória de peixinho dourado, acabei por esquecer, tanto do e-mail, quanto do que ela me disse sobre o assunto. Naelyan, se desejar adicionar algo a esse texto para uma versão final, sinta-se livre, pois ele é mais fruto seu do que meu. Não teria aprendido essas coisas sem você.]

Como eu posso saber a verdade sobre um sonho ou uma visão minha? Uma questão semelhante a essa veio em nossa lista há algum tempo e de fato essa é uma questão que atravessa todo iniciante em magia e Wicca.

Entretanto, a verdade é que você nunca vai ter certeza de coisas com essas. E é bom que não tenha mesmo. Nós desconfiamos severamente de qualquer pessoa que vem me contar das incríveis mensagens que recebeu em sonhos e meditações. Isso porque temos quatro tipos de situações:

1 – a pessoa realmente recebeu a informação da fonte que apareceu em seu sonho/meditação.

2 – a pessoa está viajando na maionese.

3 – a pessoa recebeu a informação da própria mente, que usou a aparência da fonte como método de contato.

4 – a pessoa está mentindo descaradamente

5 – o sonho/meditação da pessoa foi influenciado por outra pessoa/fonte. Como um ataque mágico, por exemplo.

E quer saber a proporção da situação 1? 10%.

Em apenas 10% dos casos a pessoa realmente recebeu um contato da fonte que apareceu nos sonhos/meditações que teve.

Como saber se seu contato é real ou não? Peça um sinal. Mas não um sinal em forma de outro sonho. Peça um sinal concreto e mensurável de que aquela fonte está mesmo entrando em contato com você ou confirmação da informação que você recebeu.

Mesmo no caso das divindades. Uma divindade não vai se sentir ofendida se você pedir uma confirmação de que é ela mesma quem está falando com você.

Pode parecer exagero nosso, mas eu conhecemos uma tradição na qual os membros são treinados para entrar magicamente nos sonhos de outras pessoas fazendo-se passar por Deuses, para convencer essas pessoas a fazer uma coisa ou outra. Na maioria das vezes, a suposta presença manda o incauto entrar na tradição deles! Já soubemos de histórias de “deusas” mandando fulana tornar-se amante de beltrano, mandando sicrano largar a esposa, o emprego, coisas assim.

Então, por via das dúvidas, duvide de qualquer informação que você receber por essas vias. Peça a confirmação em forma de sinais, consulte um oráculo de sua confiança. Confirme!

Se uma Deusa, dragão, fênix ou que for quiser realmente entrar em contato com você, isso vai ficar muito, muito claro. E não será apenas através de uns poucos sonhos.

E gente, por favor, sonhos são legais, mas não são a 8ª maravilha do mundo. Na grande maioria das vezes os sonhos são a forma de sua própria mente lidar com você e com as coisas que acontecem com ela, só isso.

Tem gente que adora ficar pedindo que outras pessoas interpretem os sonhos deles. O ideal é você aprender seu próprio padrão de sonhos, através de manter um diário de sonhos e tornar-se capaz de interpretar você mesmo seus sonhos.

Contar seus sonhos a outra pessoa é abrir uma porta para que esta pessoa manipule seus sonhos, se ela souber como.

Isso me faz lembrar um caso interessante: um autor de Wicca e bruxaria de quem gostamos muito, chamado Christopher Penczack, em um dos livros dele (acho que o “Inner Temple of Witchcraft”, salvo engano) aconselha algo semelhante: certa vez durante uma meditação, após receber algum tipo de revelação da divindade, ele perguntou para a Deusa (ou Deus, não me recordo ao certo) como ele poderia ter certeza daquilo que ele estava vendo e ouvindo? Como saber se aquilo não havia sido produzido pele mente dele? Ao que a Divindade respondeu: “pergunte-me algo que você não sabe.” A pergunta que se seguiu respondeu a dúvida dele e o texto dá a entender que ele havia confirmando que era realmente a Deusa.

Repetindo: pergunte à divindade a cor da camisa de seu pai hoje (e ligue para o seu pai), ou o que está na pagina XX de um livro que você tem na estante e não leu ou qualquer tipo de informação aleatória, mas com base no real.

No mais, abra-se a divindade, mas esteja disposto a manter o senso de autocrítica em alerta. Esse é um equilíbrio tênue que precisa ser mantido pelo bem do amor que temos a divindade, aos nossos e a nós mesmos. Até porque ninguém deseja passar por mentiroso numa situação dessas.

Além disso, sempre existe o perigo de isso subir a cabeça: síndrome de Cassandra é como chamamos isso. Mesmo numa religião como a nossa, onde o contato com a divindade é pessoal, não prescindimos de profetas, oráculos (isto é, pessoas que fazem oráculos), sibilas, volvas ou o nome que você deseje dar a isso. Só que esse tipo de trabalho sacerdotal exige vocação. É um trabalho penoso, pois nem sempre você tem uma boa noticia e a responsabilidade do que é dito é toda de quem diz. Quem sofre da síndrome de Cassandra, deseja apenas os holofotes, deseja apenas se conhecido por suas profecias e visões, deseja apenas atenção. Tal como Cassandra nos mitos gregos que não estava disposta a pagar o preço pelos dons oferecidos por Apolo (tá, ok… era uma situação abusiva, mas ela recebeu o dom pedido, e o preço era aquele. Cuidado com os acordos que você faz…). Como punição, o Deus manteve o Dom (os Deuses gregos não podiam retirar um dom que foi ofertado por eles mesmos), mas amaldiçoou-a a fazer previsões perfeitas que ninguém escutaria e que tomariam como mentira.

Por outro lado, quem vive corretamente essa vocação conhece o sabor da decepção, do medo e da perseguição por seus dons. Ninguém quer dar um mau vaticínio, mas em certas épocas isso é o feijão-com-arroz de quem vive esse sacerdócio. Não são pessoas que procuram quem quer que seja por causa desse dom, pois não precisam provar seu valor; antes disso, muitos tendem a evitar contato, pois temem ser amados apenas por causa de sua visão. Nos Oráculos sibilinos – texto helenístico composto de vários fragmentos de oráculos feitos por sibilas mediterrânicas e que possuem interpolações judaicas e cristãs com fins de propaganda política – há uma passagem exemplar onde uma sibila reclama copiosamente de seu dom, sugerindo que este sentimento era comum a todas elas. Eu creio que esse sentimento é inerente ao dom.

Uma Cassandra (pode ser um homem, claro; nada relacionado a pessoas com este nome), pelo contrário, não entende o peso deste fardo. Só vê apenas como todos dariam atenção a se ele ou ela fizesse prognósticos exatos. O método não é importante. Muitos são apenas imaturos e eventualmente isso pode ser uma fase. O problema reside quando essa fase nunca é superada e passa a ser tomada como parte essencial deste processo. Quer dizer, o problema reside quando a pessoa em questão não foi capaz de superar sua necessidade pelos holofotes.

Por vezes, essa superação surge quando uma profecia ruim se concretiza. Outras vezes, quando o autoconhecimento supera a necessidade pela atenção de outras pessoas. Mas em alguns casos, isso pode chegar a os extremos de dependência psicológica e aí é que reside o perigo. A chave de entendimento deste problema é perceber que só necessitamos de um oráculo quando pedimos. Uma Cassandra (repito, pode ser um homem), vai oferecer sua previsão mesmo que não seja pedido.

Como evitar esse tipo de problema? De um modo geral, Cassandras não são pessoas más. Apenas estão mal direcionadas e carentes de afeto. O perigo reside no fato de que por vezes um dom verdadeiro pode surgir em meio a toda essa carência e informação desnecessária e aleatória pode surgir causando mais estrago do que bem. Não os evite, mas evite alimentar seu vício. Se a Cassandra em questão joga muito bem tarô, não se consulte com essa pessoa, por mais que seja excelente sua leitura (e costuma ser). Se é um sonhador(a) ou um(a) excelente interpretador(a) de sonhos, não conte seus sonhos pra ele(a). Se vier contar um sonho, desconverse. E eduque, se você estiver em posição para isso, ou reze sinceramente para os Deuses para que essa fase acabe.

E por outro lado, se você conhece alguém que tem o dom e sabe como usá-lo, não torne a vida dessa pessoa um inferno com perguntas tolas. Muitos já têm muito com o que lidar, quer seja uma vida com seus próprios problemas, seja seus demônios interiores, surgidos das duras lides com o dom.

Naelyan Wyvern e Agathos Athenodoros


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